Factos não alegados pelas partes. Sua admissibilidade. Enriquecimento sem causa. Sua medida

FACTOS NÃO ALEGADOS PELAS PARTES. SUA ADMISSIBILIDADE. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. SUA MEDIDA
APELAÇÃO Nº 231/19.0T8CNF.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 16-03-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES
Legislação: ARTº 5º, Nº 2 NCPC; ARTºS 473º E 474º DO C. CIVIL.
Sumário:

  1. A prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
  2. Resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações. Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
  3. A exigência de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto não deve ser meramente formal, passando sim pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, embora não se imponha ao tribunal a descrição minuciosa todo o processo de raciocínio, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível, quais os meios de prova, fazendo-se a enunciação das razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, de modo a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa. Na circunstância, firmada, adequadamente, no referencial utilizado, reconhecido como de efluência e confluência ponderadora adequada.
  4. O que também almeja esteio na circunstância de o enriquecimento sem causa depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Sendo que, quem invoca o enriquecimento sem causa, deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento.
  5. O mesmo é dizer que o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza – «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem. Tal como, in casu, de outra forma aconteceria.
  6. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.
  7. Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
  8. Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.
  9. Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) do CPC – art. 615° NCPC).

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