Direito e justiça em Portugal: o Tribunal da Relação de Coimbra
Pesquisa e compilação de António Letra
As Cortes de Coimbra de 1211
A Cidade de Coimbra foi capital do reino desde a fundação da nacionalidade até 1255, no reinado de D. Afonso III, sendo, naturalmente, a cidade escolhida para as reuniões da Corte.
As primeiras que aqui se realizaram foram as Cortes de 1211 (de Abril a Junho), por iniciativa de D. Afonso II. Nelas foram promulgadas as primeiras leis gerais do reino, assentes na ideia de que o rei era detentor natural do poder político, judicial e social. Durante os reinados anteriores não havia leis para todo o país. Cada região ou até cada localidade seguia regras diferentes, conforme os seus costumes e tradições, a vontade dos grandes senhores, os registos existentes nas cartas de foral. Crimes idênticos não recebiam castigos idênticos. A pena podia ser muito severa numa determinada terra e muito branda na terra vizinha. O mesmo se passava com o pagamento dos impostos, penas judiciais, normas de convívio, etc. Desta forma, em 1211, D. Afonso II, fez aprovar leis que passaram a ser aplicadas em todo o país, para além de ordenar que se fizesse um registo por escrito de todos os diplomas emitidos pela chancelaria (uma espécie de secretaria real).
As Cortes de Coimbra destinaram-se, principalmente, a garantir o direito de propriedade, a regular a justiça civil, a defender os interesses materiais da coroa e a evitar os abusos. Em 1220, Dom Afonso II, sabendo que muitos senhores do clero e da nobreza se tinham aproveitado da falta de controlo e vigilância para estenderem os seus territórios além dos limites e ocuparem as terras da coroa, enviou funcionários por todo o país com a missão de averiguarem quem anexara terras dessa forma. A este levantamento chamou-se “inquirições”. Os senhores que apresentavam provas de que as terras lhes pertenciam de facto, recebiam uma “carta de confirmação de posse” da propriedade, enquanto aqueles que as não tinham, eram obrigados a devolver ao rei as propriedades que ocupavam abusivamente. No entanto, com o regime senhorial instalado e com o poder real muito enfraquecido, esta tentativa centralizadora não foi muito eficaz.
Juiz de fora ou juiz de vara branca
A figura do juiz de fora ou juiz de vara branca surgiu em Portugal em 1327, com o rei D. Afonso IV. Este tipo de magistrado era nomeado pelo rei, sendo frequentemente mudado de localidade. A principal função do juiz de fora era zelar pelo cumprimento da justiça em nome do rei e de acordo com as leis do reino. Ademais, a autoridade que o juiz de fora gozava era muito superior à dos juízes ordinários dos concelhos.
A introdução desta figura judicial encontra justificação na necessidade de nomear um juiz realmente isento, imparcial e, literalmente, de fora das povoações, a fim de garantir julgamentos justos. De facto, o cargo não podia ser exercido no local de origem ou na residência habitual do magistrado. Também não eram permitidos quaisquer outros vínculos com a população local, por meio de matrimónio ou amizade íntima.
Durante o período de formação da nacionalidade (formação da estrutura do Estado), a coroa portuguesa investia nas autoridades locais para enfraquecer o domínio de senhores feudais. A consolidação definitiva da figura jurídica do juiz de fora foi levada a cabo pelo rei D. João III, em 1532. Gozando de amplo domínio dos poderes do Estado, Dom João III empreendeu uma significativa centralização.
Em 1580, quando surgiu a União Ibérica com o reinado de Filipe I de Portugal, já eram mais de cinquenta os municípios portugueses governados por juízes de fora.
Origem dos tribunais de recurso e a primeira coletânea de direito
Foi, igualmente, no reinado de D. Afonso IV que o Tribunal Supremo da Corte deu origem ao Desembargo do Paço e, posteriormente, à Casa do Cível e à Casa da Suplicação, que decidiam os recursos desupricaçom, as quais antecederam os tribunais das Relações de Lisboa e do Porto.
A Casa da Suplicação funcionou inicialmente em Lisboa, depois, no tempo de D. Fernando e de D. João I, em Santarém. Durante o reinado de D. João II esteve em Torres Novas, passando, em 1483, para Évora, para o julgamento do Duque de Bragança, e, em 1579, fixou-se em Lisboa, transitando para o Porto no início do reinado de D. Filipe I.
No final do século XIV, no reinado de D. João I, é aprovado um conjunto de legislação, que visa reforçar a capacidade de intervenção da administração régia. Ter-se-á perspetivado, mas não completamente executado, o estabelecimento de três casas para decisão em segunda instância dos feitos cíveis e criminais: uma em Lisboa, com jurisdição no respetivo bispado; outra em Évora, com jurisdição nos territórios entre o Tejo e o Guadiana e o Algarve; uma outra em Coimbra, com jurisdição nos restantes lugares do Reino.
No tempo de D. João I inicia-se, pela primeira vez no reino de Portugal, um esforço de compilação e sistematização de todas as leis em vigor, para evitar as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça. A tarefa prosseguiu durante o reinado de D. Duarte e foi concluída no reinado de D. Afonso V, com a publicação das Ordenações Afonsinas em 1446/1447 (não é possível afirmar uma data exata), graças à ação fundamental de D. Pedro, duque de Coimbra, regente do reino entre 1439 e 1448, impulsionador entusiasta da conclusão da obra.
Infante D. Pedro, regente na menoridade de D. Afonso V
A regência de D. Pedro tem sido objeto de discussão e de interpretações contraditórias pelos historiadores: ora sendo vista, maioritariamente, como um período de centralização do poder real; ora, minoritariamente, como um período de afirmação senhorial. Deve, no entanto, considerar-se que D. Pedro posicionou-se entre dois tempos, o da nobreza tradicional e o da emergente burguesia urbana, tendo procurado manter o equilíbrio possível perante os interesses opostos dos diversos grupos sociais. Globalmente a sua regência pode ser caracterizada pelos seguintes aspetos:
– preocupação com a defesa militar do reino, para resistir a possível tentativa de invasão por parte do reino de Castela em apoio a D. Leonor (viúva de D. Duarte, castelhana de nascença e que tinha o apoio no reino da alta nobreza), desenvolvendo atuação diplomática no mesmo sentido;
– dotação do país com um ordenamento jurídico-administrativo coerente, que foi concretizado em 1446 com a finalização e publicação das Ordenações Afonsinas, o primeiro código sistemático das leis nacionais;
– política de satisfação dos interesses/direitos das classes populares dos concelhos, garantindo a sua independência e liberdade frente à nobreza e abolindo ou limitando o direito de aposentadoria, contrabalançada com algumas concessões pontuais à grande nobreza senhorial para tentar neutralizar a sua oposição;
– reforma da Universidade instalada em Lisboa, que dotou com receitas próprias, com o objetivo da formação apropriada do clero e da magistratura (os quadros dirigentes da vida pública do país); sendo, inclusivamente, criados em Coimbra uns Estudos Gerais, paralelos aos de Lisboa, projeto gorado após a sua morte;
– alteração da política expansionista, orientando-a deliberadamente para a descoberta da costa africana, sua exploração comercial e para a colonização das ilhas atlânticas, em detrimento das conquistas africanas.
Em 1446, D. Afonso V atinge a maioridade e começa a ser rodeado por vários elementos da Alta Nobreza (Duque de Bragança e Conde de Ourém, entre outros), opositores e inimigos de D. Pedro que, através de intrigas, fazem com que abandone a colaboração que vinha prestando ao rei em 1448. Desgostoso, D. Pedro regressa às suas terras em Coimbra. Então, o rei D. Afonso V declarando-o traidor, atrai-o até Alfarrobeira, onde as tropas reais o esperavam. No dia 20 de Maio de 1449, ocorre uma batalha em que D. Pedro morre e as suas tropas são destroçadas. Depois de abandonado no campo de batalha durante três dias, o seu corpo foi discretamente enterrado na igreja de Alverca e trasladado mais tarde para Abrantes. A notícia da sua morte e do tratamento indigno do seu corpo foi criticamente recebida tanto pelo ducado da Borgonha (de que sua irmã Isabel era a duquesa), como pelo Papado, o que obrigou o rei a más desculpas e a justificações pouco convincentes. Só em 1455, numa cerimónia de apaziguamento da família real, foi autorizada a sua sepultura no mosteiro da Batalha. Iniciara-se entretanto o processo da maldição da sua memória: a sua morte não bastou aos inimigos, foi-lhes necessário apagar na historiografia oficial (crónicas) a recordação do seu nome e dos seus feitos.
A Batalha de Alfarrobeira e a morte de D. Pedro marcaram uma viragem de retrocesso histórico no país. Durante mais de 30 anos a grande nobreza feudal aumentou o seu poder económico e dominou politicamente o rei e o estado, em desfavor dos interesses e direitos dos povos e dos concelhos, e a expansão orientou-se para uma política de conquistas marroquinas, mais de acordo com os interesses da nobreza, sendo secundarizada a exploração marítima da costa africana.
Foi preciso esperar pela década de 70 e pela subida ao trono de D. João II, em 1481, para que as políticas de expansão marítima e de centralização do poder real de D. Pedro assumissem de novo um papel determinante e irreversível na história portuguesa.
Ordenações Afonsinas
As Ordenações Afonsinas foram publicadas em nome de D. Afonso V, sob a influência do seu tio Infante D. Pedro, regente na menoridade do monarca, em 1446 ou 1447. Difícil se torna precisar o início da sua vigência, dada a inexistência na época, de uma regra definida sobre a forma de dar publicidade aos diplomas legais e o início da correspondente entrada em vigor.
Com as Ordenações Afonsinas procurou-se, essencialmente, sistematizar e atualizar o direito vigente. Na sua elaboração, utilizam-se diversas espécies de fontes anteriores: leis gerais, resoluções régias, concórdias, concordatas e bulas, inquirições, costumes gerais e locais, estilos da corte e dos tribunais superiores, e, ainda normas extraídas das Siete Partidas e preceitos de direito romano (“leis imperais” ou “direito imperial”), de direito canónico (“santos cânones” ou “decretal”) e alusões ao direito comum.
Quanto à técnica legislativa, empregou-se, via de regra, o estilo compilatório; isto é, transcrevem-se na íntegra, as fontes anteriores, declarando-se depois os termos em que esses preceitos eram confirmados, alterados ou afastados. Noutras passagens da obra (o Livro I, por exemplo), recorreu-se ao estilo decretório ou legislativo, que consiste na formulação direta das normas sem referência às suas eventuais fontes anteriores.
Talvez por influência dos Decretais de Gregório IX, as Ordenações Afonsinas encontram-se divididas em cinco livros, correspondendo a cada um, certo número de títulos, com rubricas indicativas do seu objeto, e estes, frequentemente, acham-se divididos em parágrafos:
No Livro I – 72 títulos – regimento dos cargos públicos.
Livro II – 123 títulos – bens e privilégios da Igreja e direitos reais.
Livro III – 128 títulos – processo civil, executivo e recursos.
Livro IV – 112 títulos – direito civil (obrigações, coisas, família, sucessões).
Livro V – 121 títulos – direito e processo criminal.
As Ordenações Afonsinas assumem uma importância destacada na história do direito português. Constituem a síntese do trajeto que, desde a fundação da nacionalidade, ou, mais aceleradamente, a partir de D. Afonso III, afirmou e consolidou a autonomia do sistema jurídico nacional no conjunto peninsular. Além disso, representam o suporte da evolução subsequente do direito português: as Ordenações que se lhes seguiram, a bem dizer, pouco mais fizeram do que, em momentos sucessivos, atualizar a coletânea afonsina.
Não apresentando, contudo, uma estrutura orgânica comparável à dos modernos códigos e se encontre longe de revelar uma disciplina jurídica completa, trata-se de uma obra que nada fica a dever quando comparada com outras compilações da época elaboradas noutros países europeus. A sua publicação liga-se ao fenómeno geral da luta pela centralização política.
As Ordenações Afonsinas oferecem à investigação histórica, um precioso auxiliar, no sentido de melhor conhecer certas instituições, pelo menos de um modo tão completo e em aspetos que escapam nos documentos em avulso da prática.
Ordenações Manuelinas
As Ordenações Manuelinas reformaram as Ordenações Afonsinas.
Já em 1505 se advogava a sua reforma. Com efeito, nesse ano, D. Manuel encarregou três destacados juristas da época (Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim), de procederem à atualização das Ordenações do reino, alterando, suprimindo e acrescentando o que entendessem necessário.
Dois motivos, se apresentam geralmente, como justificativos desta decisão de D. Manuel: a introdução da imprensa, em finais do século XV, em diversas vilas e cidades do país, facilita a difusão da obra, o que a concretizar-se, afigurava-se lógico que apenas ocorresse após uma cuidada revisão da coletânea; por outro lado, admite-se que um reinado pautado por momentos altos na gesta dos descobrimentos, estimulasse D. Manuel a ligar o seu nome a uma reforma legislativa de vulto.
Depois de algumas atribulações próprias de um empreendimento desta natureza, a edição definitiva das Ordenações Manuelinas acaba por ter lugar em 1521 (ano em que morre D. Manuel), impondo-se, através de Carta Régia de 15 de Março de 1521, e a fim de evitar possíveis confusões, a total destruição, num prazo de três meses, das anteriores coletâneas (esta destruição refere-se às várias fases por que passou a elaboração desta obra, e, não às Ordenações Afonsinas), sob pena de multa e degredo.
Estas Ordenações Manuelinas conservam a estrutura básica dos cinco livros, integrados por títulos e parágrafos. A distribuição das matérias é semelhante à da coletânea afonsina, assinalando-se, todavia, algumas diferenças de conteúdo (exemplos: a supressão dos preceitos aplicáveis aos Mouros e aos Judeus, que entretanto tinham sido expulsos do país, assim como das normas autonomizadas nas Ordenações da Fazenda, a inclusão da disciplina da interpretação vinculativa da lei, através dos assentos da Casa da Suplicação e algumas importantes alterações produzidas em matéria de direito subsidiário).
Não se pode falar de uma profunda e radical alteração do direito português, mas tão-só, meros ajustamentos de atualização. Em termos formais, a obra marca um importante progresso de técnica legislativa, que se traduz, sobretudo, no facto de os preceitos se apresentarem sistematicamente redigidos em estilo decretório, ou seja, como de normas novas se tratasse. A esta vantagem corresponde um menor interesse para a reconstituição do direito precedente.
A Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Leão, publicada em 1566
A dinâmica legislativa acelerada, típica da época, teve como efeito que, a breve prazo, as Ordenações Manuelinas se vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos. Estes não só revogavam, alteravam ou esclareciam muitos dos seus preceitos, mas também dispunham sobre matérias inovadoras. A isto acresciam as interpretações vinculativas dos assentos produzidos na Casa da Suplicação.
Todas estas razões estimulavam a imperiosa elaboração, de uma coletânea que constituísse um complemento sistematizado das Ordenações, permitindo a certeza e a segurança do direito.
Coube ao Cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, a escolha de Duarte Nunes do Leão, à data procurador da Casa da Suplicação e possuidor de larga experiência, com vista à organização de um repositório do direito extravagante que vigorava fora das Ordenações Manuelinas.
A coletânea (que ficou conhecida por Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Leão), compõe-se de seis partes e disciplina matérias várias tais como: os ofícios e os oficiais régios, as jurisdições e os privilégios, os delitos, a fazenda real e uma lei importante de D. João III sobre os trâmites dos processos nos tribunais.
A versão final da obra, em lugar de procurar transcrever textualmente as leis e os assentos, optou por efetuar resumos ou excertos da essência dos diversos preceitos, permitindo assim, uma consulta mais cómoda. Claro que os preceitos resumidos valiam, doravante, com o sentido que se continha na sua versão sintética. O legislador bem podia alterar o conteúdo dos textos condensados, mas autolimitou-se. A preocupação de fidedignidade dos extratos, insistentemente repetida no alvará de aprovação, indicava o caminho para solucionar as dúvidas interpretativas que surgissem: seria o da consulta dos originais.
As Ordenações Filipinas
A Coleção das Leis Extravagantes não passou de uma obra intercalar. Impunha-se, igualmente, uma reformulação das Ordenações Manuelinas.
Foi assim, de um modo natural, que Filipe I, aliás na sequência de outras providências tomadas na esfera do direito (destaque para a substituição da Casa do Cível, que funcionava em Lisboa, pela Relação do Porto, a que o monarca concedeu regimento e para uma lei de reformação da justiça), incumbiu alguns juristas renomados, entre 1583 e 1585, de iniciarem os trabalhos preparatórios conducentes à atualização da coletânea Manuelina.
Acrescia uma razão de natureza eminentemente política: relevar o respeito de Filipe I pelas instituições portuguesas, empenhando-se na sua atualização dentro da tradição jurídica do País.
Neste contexto, apenas no reinado de Filipe II, através da Lei de 11 de Janeiro de 1603, iniciam a sua vigência (as Ordenações Filipinas), constituindo o mais duradouro monumento legislativo operativo em Portugal (entre nós, apenas foram integralmente revogadas pelo Código Civil de 1867, e, no Brasil, isso apenas sucederia em 1 de Janeiro de 1916).
As Ordenações Filipinas conservam a estrutura tradicional dos cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos; mantêm, igualmente, o conteúdo dos livros.
Procedeu-se, via de regra, à reunião, num único corpo legislativo, dos dispositivos manuelinos e dos muitos preceitos subsequentes que se mantinham em vigor; a introdução de algumas normas de inspiração castelhana, (poucas, diga-se em abono da verdade), não permitem que se retire o carácter predominantemente português das Ordenações Manuelinas.
Merece destaque, contudo, a mudança das matérias relativas ao direito subsidiário do Livro II para o Livro III, o que deixa entender uma nova filosofia de enquadramento das questões inerentes ao problema da integração das lacunas, sem que tal ocorrência, tenha revestido qualquer modificação intrínseca nos respetivos critérios de preenchimento.
Acresce referir, uma modificação de conteúdo relevante: nas Ordenações Filipinas, pela primeira vez, se inclui um conjunto de preceitos sobre o direito de nacionalidade (os naturais do reino, de acordo com esses novos preceitos, não se determinam, exclusivamente, por recurso aos conhecidos critérios do princípio do território – “ius soli” e do princípio do sangue – “ius sanguinis”, mas também pela conjugação de ambos, porventura, com predomínio do primeiro).
As Ordenações Filipinas foram confirmadas e revalidadas por D. João IV, em Lei de 29 de Janeiro de 1643, na sequência de um genérico sancionamento de toda a legislação promulgada durante o governo castelhano.
Os compiladores filipinos tiveram, sobretudo, a preocupação de rever e coordenar o direito vigente, reduzindo-se ao mínimo as inovações. Pretendeu-se assim, uma simples atualização das Ordenações Manuelinas: só que o trabalho não foi realizado mediante uma reformulação adequada dos vários preceitos, mas apenas aditando o novo ao antigo. Daí subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso, verificarem-se frequentes faltas de clareza e, até, contradições resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se eliminaram.
A ausência de originalidade e os restantes defeitos mencionados receberam, pelos fins do século XVIII, a designação de “filipismos”. Essas imperfeições encontram difícil explicação fora da ideia de um respeito propositado pelo texto manuelino (propósito já atrás manifestado em relação ao respeito de Filipe I pela tradição jurídica portuguesa). Bastará recordar os juristas que, seguramente, participaram nos trabalhos preparatórios, para reconhecermos a sua capacidade de realização de obra isenta, ao menos, de alguns dos graves inconvenientes assinalados.
O Novo Código
A tentativa de reforma das Ordenações Filipinas ficou conhecido por “Novo Código”, projeto decretado por D. Maria I, no sentido de se proceder à reforma geral do direito vigente, consequência da necessidade de atualização das Ordenações Filipinas.
O principal propósito da “Junta de Ministros” criada para o efeito, consistia em averiguar, não só as normas contidas naquelas Ordenações e leis extravagantes que conviria suprimir por antiguidade, mas também as que vinham levantando dúvidas de interpretação na prática forense e as que a experiência aconselhava a modificar.
Sugeria-se ainda, que se seguisse a sistematização básica das Ordenações, na medida em que a adoção de uma nova metodologia poderia criar dificuldades aos julgadores, largamente familiarizados com a tradição arreigada.
Observam-se, contudo, consideráveis divergências no seio da Junta, quanto à orientação dos trabalhos preparatórios: uma preocupação relevante se nota nesta altura – a criação de partes gerais antecedentes ao primeiro título de cada matéria, onde se deveriam indicar as regras básicas a ela pertinentes, acompanhadas das divisões que parecessem oportunas. Mas o respeito à coletânea filipina e às Ordenações em geral, em termos metodológicos, inibiam a elaboração de um código semelhante aos que no estrangeiro iam sendo publicados, na sequência natural do pensamento jusracionalista e iluminista.
Mello Freire, entretanto encarregado de proceder à revisão do Livros II e V das Ordenações, elabora os projetos do Código de Direito Público e do Código Criminal, que viriam a ser objeto de forte contestação por parte de um outro jurista prestigiado – Ribeiro dos Santos – integrado na “Junta de Censura e Revisão”, com o propósito de apreciar os projetos de Mello Freire. As divergências decorrem, fundamentalmente, de conotações políticas (Mello Freire era próximo dos ideais absolutistas, enquanto Ribeiro dos Santos se aproximava dos princípios liberais). Esta polémica, denominada por “formidável sabatina”, constituiu um expressivo contributo para o estudo do pensamento político português dos fins do século XVIII.
Os projetos de Melo Freire, todavia, acabariam por não vingar, fracassando, deste modo, igualmente, a tentativa de reformulação das Ordenações Filipinas. Para isso, também concorreu o período de indefinição política vivida no país – estava-se no ocaso do Despotismo Esclarecido e os ideais da Revolução Francesa ainda mal se avistavam entre nós mas eram já bastante comentados em tertúlias e pelos eruditos da época. Nos centros urbanos, uma burguesia comercial, ligada ao comércio com o Brasil e alguns intelectuais esperavam a mudança; os ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade), pouco a pouco, espalhavam-se, sobretudo entre a burguesia; surgem várias “lojas maçónicas” e algumas associações secretas como o Sinédrio, organização criada na cidade do Porto em 1818 pelo Juiz Desembargador Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges (autor do 1º Código Comercial Português em 1833), José da Silva Carvalho (Juiz dos Órfãos no Porto e futuro 1º Presidente do Supremo Tribunal de Justiça) e João Ferreira Viana (comerciante) que tiveram um papel fundamental na Revolução Liberal de 1820.
Revolução Liberal de 1820
Na sua obra legislativa avulsa, as Cortes marcaram, uma nova orientação político-jurídica, tendo de imediato abolido o Tribunal do Santo Ofício em 24 de Março de 1821, seguidamente ao transformar (Decreto de 3 de Maio de 1821) a pena de degredo na de trabalhos públicos.
Contemporaneamente, decretou-se a extinção dos privilégios das aposentadorias (Leis de 14 e 25 de Maio de 1821), o que marca uma forte reação contra os abusos que vinham sendo cometidos pela magistratura, a qual foi, aliás, a grande visada pelos reformadores liberais.
A Constituição de 1822 apresenta já uma tessitura diversa. Representando embora uma solução de compromisso, oferece uma dupla faceta: define, por um lado, o quadro geral das novas instituições jurídico-criminais, embora em tom genérico e programático; deixa, por outro, à legislação ordinária o encargo de definir da oportunidade política da implantação de tais instituições, bem como dos seus contornos mais concretos.
Constituição de 1822
A Constituição Política da Monarquia Portuguesa decretada pelas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, reunidas em Lisboa no ano de 1821, ao proclamar a separação dos poderes e conferir o exercício do poder judicial exclusivamente aos juízes, abriu caminho à remodelação do sistema de justiça que vigorara até então.
Com o texto constitucional pronto a 23 de Setembro de 1822, Portugal iria ver consagrado o estabelecimento de um Supremo Tribunal de Justiça na cúpula da nova organização judiciária que começava a nascer.
O grande obreiro da nova organização judiciária e, assim, do Supremo Tribunal de Justiça, foi Mouzinho da Silveira, que criou as condições indispensáveis à sua instituição. Contudo, as fações geradas pela Revolução Liberal acabaram por ditar que a sua instalação se verificasse, na prática, pela mão de José da Silva Carvalho, que era Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça e veio a ser o primeiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 1833.
A Constituição pormenoriza a orgânica judiciária, estabelecendo o seguinte elenco de tribunais:
a) os juízes de facto, tanto nas causas cíveis, como nas crime, aos quais era atribuído imediatamente o conhecimento dos delitos de abuso de liberdade de imprensa, de acordo com o sistema consagrado pela Lei de Imprensa;
b) os juízes letrados, perpétuos, a quem competia julgar nos casos em que existiam juízes de facto e de direito e facto, quando estes não existissem;
c) os juízes eletivos, a quem competia (artigo 181.°) julgar sem recurso as causas cíveis de pequena importância designadas na lei e as criminais quando se tratasse de delitos leves.
Relativamente à administração da justiça (artigos 196.° e segs) definiram-se regras de responsabilidade dos magistrados e oficiais de justiça pelos abusos de poder e erros cometidos no exercício dos seus empregos (artigo 146.°), cuidando-se pormenorizadamente da prisão preventiva, de acordo com uma regra de liberdade em que a detenção era excecionalmente permitida e durante prazos curtos.
Através de outras disposições, a Constituição extinguiu os lugares de Provedor e de Corregedor, cortando nos lugares de Juízes Eclesiásticos e do Desembargo do Paço.
Definiu igualmente as atribuições, direitos e deveres dos juízes de fora; marcou as alçadas; criou tribunais de recurso; um tribunal especial para julgar os crimes dos deputados, contra a segurança do Estado e infração à Constituição, o qual era formado por nove juízes escolhidos por sorteio de entre os deputados.
Finalmente, criou-se o cargo de juiz avindor, preenchido pelo juiz de fora e dois homens-bons da escolha das partes.
Carta Constitucional de 1826 e legislação posterior
A Carta Constitucional de 1826 estabeleceu a existência de juízes de paz, essencialmente destinados a tentarem a conciliação entre pessoas desavindas e a evitarem os recursos a tribunais superiores.
A Lei de 15 de Outubro de 1827, por sua vez, criou juízes de paz em cada freguesia e definiu-os como magistrados efetivos que presidiam ao juízo conciliatório.
O Decreto nº 24, de 16 de Maio de 1832, dividiu o território em círculos judiciais, estes em comarcas, estas em julgados que por sua vez se dividiam em freguesias.
Em cada uma das Freguesias, era ao juízo da conciliação que competia julgar as causas relativas a bens dos órfãos e conciliar as partes nas suas demandas, as quais a ele ficavam obrigatoriamente submetidas antes de subirem ao Juízo de 1ª Instância ou perante os juízes ordinários.
Data dos primeiros tempos da fundação da nacionalidade a existência dos juízes ordinários, cuja missão era, nos distritos, administrar a justiça, sendo também vulgarmente conhecidos pelo juiz da terra. Estes magistrados, eleitos anualmente entre os vizinhos do lugar, julgavam em 1ª instância. Deles se podia apelar para o rei, para os tribunais régios ou para os governadores ou “ricos-homens”.
A administração da justiça era fiscalizada pelos enviados do monarca: meirinhos, adiantados ou corregedores. O juiz ordinário tinha autoridade para julgar todas as causas, de qualquer natureza, desde que não excedessem determinado valor fixado pela lei e, ainda, para determinar todos os atos preparatórios dos processos cíveis e crimes.
A Reforma Judiciária de 21 de Maio de 1841, estabeleceu-lhes a eleição pelo povo, por 2 anos, passíveis de renovação, e atribui-lhes a competência para questões de média importância no cível e crime, havendo a possibilidade de apelação das suas sentenças para o juiz de direito.
Em 1871 foi decretado a extinção destes juízes eleitos. O decreto de 29 de Julho de 1886, extinguiu os julgados ordinários, no continente e ilhas adjacentes. As suas competências foram transferidas para os juízes de direito e para os juízes de paz, passando a existir julgados municipais nos concelhos que não fossem cabeça de comarca e onde a maior parte da população ficasse a mais de quilómetros da sede da comarca, com exceção dos que faziam parte de Lisboa e Porto.
Pelo Decreto nº 3 de 29 de Março de 1890, é feita outra divisão com a criação de novas comarcas no território continental. São extintos os julgados municipais dos concelhos que são elevados a comarcas. De acordo com o mapa da divisão judicial a que se refere este Decreto, verificamos que na área de influência da Relação do Porto, existiam 7 Distritos Administrativos (Aveiro, Bragança, Coimbra, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu). No Distrito Administrativo de Coimbra, passaram a existir 6 comarcas: Arganil, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Pampilhosa, Penela e Soure.
O Tribunal da Relação de Coimbra
A ideia de criar um Tribunal da Relação em Coimbra, transferindo as competências da Casa do Cível de Lisboa para Coimbra, tinha surgido no tempo da Reforma da Justiça empreendida por Filipe II (I de Portugal) em 1582, com o argumento de que seria fácil e vantajoso reunir o estudo do Direito com a prática judiciária.
Os adversários de tal mudança foram muitos e poderosos, tendo-se decidido pela cidade do Porto, onde o novo tribunal passou a funcionar a partir de 4 de Janeiro de 1583.
No reinado de D. Manuel II (1908-1910), a ideia foi retomada por várias personalidades ligadas à política e à Universidade. Em Dezembro de 1908, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Sílvio Pelico, apresentou a sugestão num grande discurso de fervor bairrista. O Professor José Alberto do Reis recebeu com “prazer e alvoroço” a iniciativa camarária, e apressou-se a escrever no Jornal Republicano “Resistência”, de 4 de Janeiro de 1909, um artigo de apoio. O Professor foi um grande entusiasta da causa e fez dela um objetivo cívico, tendo-se batido com grande persistência e firmeza na sua defesa.
Em 1909, na publicação “Organização Judiciária – Lições feitas ao 4º Ano do Curso Jurídico de 1908-1909”, o Professor José Alberto dos Reis preconizava o seguinte: “Relativamente aos distritos das Relações, parece-nos que havia manifesta vantagem em suprimir a Relação dos Açores e em criar uma Relação em Coimbra. A extinção da Relação dos Açores era já defendida por alguns membros da Comissão nomeada em 1890 para a Reforma Judiciária. No relatório justificava-se essa extinção pelo limitado número de processos que sobem aquela Relação, pela relutância de muitos Juízes lá irem fazer serviço e pelas dificuldades de comunicações. Apesar de todas estas considerações, o poder político nunca satisfez as pretensões conclusivas desta comissão; justificou-se que não queria indispor e irritar contra o Continente os sentimentos das populações insulares (estava muito presente naquela época as consequências do mapa cor de rosa e o ultimatum britânico). Se a Relação dos Açores pudesse ser suprimida, estava naturalmente indicada a criação duma Relação em Coimbra, para serviço e comodidade do centro do país. Mas admitida a necessidade política de conservar a Relação dos Açores, ainda assim julgamos defensável a criação da Relação do Centro, com sede em Coimbra. Com efeito, desacumular-se-ia o serviço das Relações de Lisboa e Porto, onde a afluência de processos é tal, sobretudo na do Porto, que o expediente anda necessariamente muito atrasado, e tornar-se-ia mais intenso e variado o movimento judicial em Coimbra, sede da única Escola de Direito do país, com evidente vantagem para o ensino jurídico. Conservando-se a Relação dos Açores, a Relação de Coimbra poderia ser constituída por 2 Secções, cada uma de 5 Juízes, tirando-se 2 ou 4 Juízes a cada uma das Relações – Lisboa e Porto. A área do Distrito Judicial de Coimbra deveria compreender as comarcas dos Distritos administrativos da Guarda, Coimbra e Leiria e da parte Sul dos Distritos de Viseu e Aveiro.”
O Governo provisório da República, por decreto de 24 de Outubro de 1910, extinguiu o Tribunal da Relação dos Açores, seguindo parcialmente a sugestão feita na “Organização Judiciária” do Prof. Alberto dos Reis, tendo os processos sido remetidos para o Tribunal da Relação de Lisboa e os magistrados titulares foram agregados às Relações de Lisboa e Porto.
Em 12 de Julho de 1915, numa sessão parlamentar, o projeto foi novamente apresentado e defendido pelo Deputado Artur Duarte de Almeida Leitão, tendo a discussão do assunto ficado adiada para a sessão legislativa seguinte.
Na Congregação da Faculdade de Direito, de 13 de Agosto de 1915, (renovada na Congregação de 2 de Dezembro de 1917), o Professor Carneiro Pacheco propôs ao Concelho que se solicitasse ao Governo a criação dum novo Tribunal da Relação sediado em Coimbra, sugestão imposta pelos interesses judiciais e do ensino do Direito, e se solicitasse ao Prof. Alberto dos Reis que tomasse a responsabilidade de redigir a respetiva representação, que foi apresentada ao Concelho na sessão de 24 de Janeiro de 1916. É neste contexto que Alberto dos Reis faz publicar no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Ano II – 1915/1916, o artigo “Relação de Coimbra”, justificando que o projeto está bastante amadurecido e não encontra razões objetivas de carácter judiciário para a sua não aceitação.
No projeto de Organização Judiciária de 1909, ao argumento de ordem geográfica, Alberto dos Reis acrescentava a circunstância vantajosa de Coimbra possuir a única Escola de Direito do país. Em 1915 não fazia sentido repetir estes argumentos, porque entretanto foram criadas novas Universidades em Lisboa e Porto, no Decreto de 24 de Março de 1911, e em 30 de Junho de 1913 foi criada a Faculdade de Estudos Sociais e de Direito em Lisboa.
A Universidade de Coimbra e especialmente a sua Faculdade de Direito viveram tempos muito conturbados durante a Monarquia Constitucional, sendo apelidada duma “instituição eclesiástica”, fortemente enraizada no “fundamentalismo dogmático tridentino”, e nisto residiu o pretexto para os inúmeros conflitos académicos que se verificaram no período que medeia a Revolução Liberal e a Proclamação da República, e que culminou com o movimento académico de 1907 que provocou uma greve geral da Academia de Coimbra. Dizia na altura, Sobral Cid, que a Academia de Coimbra “não preparava o profissional para a carreira, o cidadão para o Estado e o Homem para a Ciência”.
Em 1911, em pleno processo revolucionário republicano extremado, o Deputado Miguel de Abreu, pretendeu resolver de vez o “problema da Academia de Coimbra” com um remédio definitivo: “a extinção da própria Universidade e a constituição de uma comissão encarregada de estudar as compensações à cidade de Coimbra dos eventuais prejuízos que a referida extinção lhe possa causar”.
Não vingou esta tese, vingou a preconizada pela abertura de uma nova Escola de Direito em Lisboa, “assente em bases novas, segundo processos novos, em harmonia com os progressos da pedagogia moderna compatível com a revolução de ideias reinante e que seria um fator de rejuvenescimento cultural de Portugal”. As elites políticas e culturais de Coimbra não aceitavam estas ideias radicais, nem o “desdobramento” da Faculdade de Direito; houve protestos, greves e exaltações violentas. O Governo, no entanto, manteve-se firme na decisão tomada, e não suspendeu as Leis que criaram as novas Universidades e a nova Faculdade de Direito. Perante tal propósito, a cidade de Coimbra resignou-se e começou a reclamar em nome da sustentabilidade futura, as compensações a que se julgou com direito. A criação em Coimbra de um tribunal de Recurso, foi então encarado como o início dessas compensações. Tal só veio acontecer com Sidónio Pais, pelo decreto nº 4250, de 8 de Maio de 1918.
Distrito Judicial de Coimbra
O Distrito Judicial de Coimbra compreenderia todas as comarcas dos Distritos Administrativos de Coimbra, Guarda, Castelo Branco e Leiria; as comarcas de Águeda, Vagos e Anadia; todas do Distrito Administrativo de Aveiro; e as comarcas de Mangualde, Santa Comba Dão, Tondela e Viseu, do Distrito Administrativo de Viseu. Contas feitas, o governo subtraía 31 comarcas ao Distrito Judicial do Porto e 12 ao Distrito Judicial de Lisboa.
Este Decreto fundador consagrou no essencial as propostas feitos pelo Professor José Alberto dos Reis. A Relação de Coimbra ficou composta com um quadro de 14 Juízes, além do Presidente, funcionando em 2 secções. Alberto dos Reis estava feliz mas também reconhecido. Na Oração de Sapiência que proferiu na Sala dos Atos Grandes da Universidade de Coimbra no dia 30 de Novembro de 1918, humildemente reconheceu a dívida de gratidão que a cidade tem para Sidónio Pais, que dificilmente saldará. Referiu-se ao que ouviu da boca do Sr. Presidente da República: “tudo o que faço por Coimbra, vem do fundo do meu coração”. Após o assassinato de Sidónio Pais em 14 de Dezembro de 1918, a consternação na cidade era evidente.
O protesto do Porto numa campanha “artificial e postiça” sustentada por alguns Solicitadores, Advogados e Juízes da Relação ainda impediu que a parte sul dos Distritos de Aveiro e Viseu passassem para o Distrito Judicial de Coimbra. À área da Relação do Porto continuaram a pertencer as comarcas de Aveiro, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha, Oliveira de Frades, Vouzela, S. Pedro do Sul, Castro Daire e Moimenta da Beira, que Alberto dos Reis entendia estarem agregadas dentro da área das Beiras. “O Porto representou; o Porto reclamou; o Porto manifestou a sua opinião. E era necessário não irritar o Porto”, comentou contrapondo aos protestos.
Mantendo as delimitações territoriais dos Distritos Judiciais do Porto, Coimbra e Lisboa, o Ministro Manuel Rodrigues procedia em 1927 à extinção formal de 37 comarcas, medida que gerou enorme descontentamento junto dos municípios atingidos (Decreto n.º 13 917, de 9 de Julho de 1927). No Distrito Judicial de Coimbra foram extintas as comarcas de Condeixa-a-Nova, Fornos de Algodres, Montemor-o-Velho, Penacova, Penela, Sátão, Tábua, Vagos, Vouzela, Vila Nova de Foz Côa e Almeida. O Decreto n.º 19578, de 11 de Abril de 1931, concedeu que as comarcas extintas pudessem funcionar como julgados municipais.
Segundo o Estatuto Judiciário de 1944, o Distrito Judicial de Coimbra estruturava-se em 47 comarcas: Abrantes, Águeda, Albergaria-a-Velha, Alcobaça, Anadia, Ansião, Arganil, Aveiro, Cantanhede, Castelo Branco, Castelo de Vide, Castro Daire, Celorico da Beira, Coimbra, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Figueira da Foz, Figueiró dos Vinhos, Fundão, Gouveia, Guarda, Idanha-a-Nova, Leiria, Lousã, Mangualde, Meda, Moimenta da Beira, Nisa, Oliveira de Frades, Oliveira do Hospital, Pinhel, Pombal, Ponte de Soure, Portalegre, Porto de Mós, Sabugal, Santa Comba Dão, São Pedro do Sul, Seia, Sertã, Soure, Tomar, Tondela, Torres Novas, Trancoso, Vila Nova de Ourém, Viseu
Dos reajustamentos introduzidos no Estatuto Judiciário pelo Decreto-Lei n.º 44278, de 14 de Abril de 1962, constata-se que o número de comarcas do Distrito Judicial de Coimbra aumentou de 47 para 50, obedecendo a seguinte estratificação:
Comarcas de 1.ª Classe: Aveiro, Coimbra, Figueira da Foz, Leiria e Viseu.
Comarcas de 2.ª Classe: Abrantes: Águeda, Alcobaça, Anadia, Cantanhede, Castelo Branco, Covilhã, Fundão, Guarda, Lousã, Mangualde, Pombal, Portalegre, Santa Comba Dão, Tomar, Tondela, Torres Novas, Vila Nova de Ourém.
Comarcas de 3.ª Classe: Albergaria-a-Velha, Ansião, Arganil, Castelo de Vide, Castro Daire, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Figueiró dos Vinhos, Gouveia, Idanha-a-Nova, Meda, Moimenta da Beira, Montemor-o-Velho, Nisa, Oliveira de Frades, Oliveira do Hospital, Pinhel, Ponte de Soure, Porto de Mós, Sabugal, São Pedro do Sul, Seia, Sertã, Soure, Trancoso e Vagos.
Por seu turno, o Decreto n.º 202/73, de 4 de Maio, do qual resultou a criação da Relação de Évora, procedeu a um considerável reajustamento dos limites territoriais do Distrito Judicial de Coimbra. A norte, as atuais comarcas de Castro Daire, Armamar e Moimenta da Beira transitaram para a esfera da Relação do Porto. A sul, foram desmembradas as comarcas de Abrantes, Mação, Ponte de Sor, Nisa, Castelo de Vide e Portalegre.
O Mapa Judicial resultante dos reajustamentos operados em 1973 não sofreu quaisquer alterações, conforme se infere do organigrama anexo à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º82/77, de 6 de Dezembro, pelas Leis n.º 38/87, de 23 de Dezembro e n.º24/90, de 4 de Agosto). Constituído por 65 comarcas, o Distrito Judicial de Coimbra faz fronteira norte nas comarcas de Aveiro, Albergaria-a-Velha, Oliveira de Frades, Viseu, Sátão, Trancoso, Meda e Vila Nova de Foz Côa. Delimitam o extremo sul do Distrito as comarcas de Alcobaça, Porto de Mós, Alcanena, Tomar, Ferreira do Zêzere, Sertã, Castelo Branco e Idanha-a-Nova. A nova Lei Orgânica de 1999, que instituiu as Relações de Guimarães e Faro, respeitou o território do Distrito Judicial de Coimbra, embora tenha promovido à categoria de comarcas os concelhos de Mira e Mealhada.
A organização judiciária estabelecida em 311 tribunais judiciais, a funcionarem de forma individual e autónoma que durava há décadas, é revogada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que estabelece que estes passariam a organizar-se em 39 comarcas, dotadas de órgãos de gestão próprios, compostos por magistrados (juiz presidente e magistrado coordenador do Ministério Público) e por um administrador judiciário (tendencialmente, um secretário de justiça).
O novo modelo apenas foi implementado numa área limitada do território nacional: desde Abril de 2009 e a título experimental, foram criadas apenas três das 39 novas comarcas previstas no Decreto-Lei n.º 25/2009, de 28 de Janeiro (Comarca do Alentejo Litoral, Comarca do Baixo Vouga e Comarca da Grande Lisboa-Noroeste). Uma vez que a Lei n.º 52/2008 não definia a conformação concreta da oferta judiciária em cada uma das novas comarcas a instalar, esta foi desenhada de forma global por um grupo de trabalho. Apesar de serem ainda relativamente reduzidos os dados comparativos para sustentar uma avaliação mais profunda, a experiência obtida, associada ao plano de alargamento do modelo a todo o país, suscitaram alguns aspetos passíveis de melhoria que levou a ponderar, no momento em que se preparava dar início ao processo de instalação de mais duas comarcas (Lisboa e Cova da Beira), a adequação da matriz territorial baseada nas NUTS III. Este processo é interrompido pela grave crise global que se instalou nas dívidas soberanas de diversos países, sendo um dos mais atingido Portugal.
É no contexto desta crise que com a mudança de paradigma das prioridades, que surge uma nova Reforma do Mapa Judiciário, através do diploma 49/2014, de 27/3, que regulamenta a Lei 62/2013, de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Esta reorganização dá corpo aos objetivos estratégicos assentes em 3 pilares fundamentais na perspetiva governamental: o alargamento da base territorial das circunscrições judiciais, que passam a coincidir em regra com os Distritos Administrativos; a instalação de jurisdições especializadas e um novo modelo de gestão das comarcas (consensual na anterior reforma).
O país fica dividido em 23 comarcas, a que correspondem 23 grandes tribunais judiciais, com sede em cada uma das capitais de Distrito: dos 311 Tribunais existentes, 264 são convertidos em 218 Secções de Instância Central e em 290 Secções de Instância Local. Acaba a designação de Distrito Judicial e são criadas as áreas de competência territorial, que no caso de Coimbra, abrange as comarcas de Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu (perde o Sul do Distrito de Aveiro e o Norte do Distrito de Santarém; ganha o Norte do Distrito de Viseu e o Sul do Distrito de Leiria).
Um dos principais objetivos desta reforma é o de permitir uma gestão concentrada e autónoma, por cada um destes 23 tribunais, segundo um modelo de gestão por objetivos, para uma maior eficácia e qualidade, que caberá pôr em prática ao “Conselho de Gestão”, composto por 1 Juiz Presidente, 1 Procurador Coordenador e 1 Administrador Judiciário, num modelo que gerou consenso com a aprovação do regime das comarcas piloto, na Lei 52/2008, de 28/8.
Foi, porém, patente a algumas jurisdições, um excessivo afastamento entre o cidadão e as estruturas judiciárias – separação que atingiu sobretudo zonas territoriais e segmentos populacionais já vitimizados por outros fatores de vulnerabilidade, nomeadamente os que decorrem da interioridade.
Consciente dos constrangimentos do acesso à jurisdição pela ausência de uma justiça de proximidade, o Decreto-Lei nº 86/2016, de 27/12, estabeleceu o desígnio de aproximar a justiça dos cidadãos, comprometendo-se, para o efeito, a proceder à correção dos erros do mapa judiciário promovendo as alterações necessárias. O primeiro passo da supressão dos constrangimentos apontados foi dado com a aprovação da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e que no essencial, mantém o desenho da divisão judiciária do território, as áreas de especialização, o modelo de gestão e a respetiva estrutura orgânica. Em execução da orientação corporizada na lei, procede-se à reativação das 20 circunscrições extintas (Sever do Vouga, Penela, Portel, Monchique, Meda, Fornos de Algodres, Bombarral, Cadaval, Castelo de Vide, Ferreira do Zêzere, Mação, Sines, Paredes de Coura, Boticas, Murça, Mesão Frio, Sabrosa, Armamar Resende e Tabuaço) aqui se praticando, bem como em 23 das anteriormente denominadas secções de proximidade diversos atos judiciais. Opera-se, deste modo, a imprescindível aproximação entre o tribunal que julga e o local da comissão dos factos submetidos a julgamento.
Está em análise permanente a bondade das reformas operadas, que nunca terão resultados conclusivos que agradem a todos os operadores judiciários e especialmente aos cidadãos.
Bibliografia:
– As Instituições Criminais em Portugal no século XIX – José António Barreiros
– Organização Judiciária – Salvador da Costa
– Boletim da Faculdade de Direito, Ano II – 1915-1916
– Direito Processual Civil – As origens em José Alberto dos Reis – Luís Correia de Mendonça
– As Ordenações Afonsinas – 3 séculos de Direito Medieval – José Domingues
– História do Direito Português no período das Ordenações Reais – Célio Juvenal Costa e outros
– A Espada e a Balança – o Palácio de Justiça de Coimbra – António Nunes, Edição do Ministério da Justiça, Coimbra, 2001, 1.ª edição
– A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro: e as origens dos descobrimentos portugueses – Alfredo Pinheiro Marques, Centro de Estudos do Mar, 1994