Prova por declarações de parte. Sua apreciação. Condição contratual. Sua relevância. Condição resolutiva. Assunção de dívida. Assentimento do credor. Enriquecimento sem causa. Medida da restituição
PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE. SUA APRECIAÇÃO. CONDIÇÃO CONTRATUAL. SUA RELEVÂNCIA. CONDIÇÃO RESOLUTIVA. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. ASSENTIMENTO DO CREDOR. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. MEDIDA DA RESTITUIÇÃO
APELAÇÃO Nº 204/19.2T8SPS.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 16-03-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE S. PEDRO DO SUL
Legislação: ARTºS 466º, Nº 3 DO NCPC; 270º, 473º, 474º, 479º E 595º, Nº 1, AL. A) DO C. CIVIL.
Sumário:
- Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se – haverá de dizer-se, agora e sempre -para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
- Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por determinadas testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.
- A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.
- A prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.°, n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.
- A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
- A «condição» (Dir. Civil) é uma cláusula acessória típica dos negócios jurídicos. Diz-se que um negócio jurídico é celebrado sob condição quando as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos seus efeitos (condição suspensiva) ou a sua destruição (condição resolutiva) (vide artigo 270.° Código Civil).
- Se a condição for resolutiva (e é o caso mais significativo de proximidade entre os institutos), a diferença de regime entre a condição e o modo pode sintetizar-se numa fórmula equivalente à anterior [relativa à distinção entre condição suspensiva e modo]: ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’. O alcance da distinção é o seguinte: se há uma condição resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, mas o negócio resolve-se – ‘automaticamente’, «ipso facto» -, se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que, contudo, não está obrigado. Pelo que respeita ao modo, ele obriga; mas se não for cumprida a obrigação, como atrás exposto, mesmo quando a resolução possa ter lugar, ela não opera automaticamente: “o não cumprimento apenas confere o direito potestativo à resolução”.
- Mesmo pretendendo aplicar o enunciado critério distintivo – ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’ –, a verdade é que, no caso, a prova produzida não o potencia. A realidade intraprocessual que evidencia e se destacou não o consente. Tal norma não sai, por isso, violada!
- No que respeita ao art.º 595.º, n.º1, alínea a) Código Civil (assunção de dívida), leve-se em consideração para que a transmissão da dívida exonere o antigo devedor é necessária a existência de uma declaração do credor em tal sentido, declaração que tem de ser expressa como a lei exige, o que não acontece com a ratificação prevista na aI. a) do nº 1 do art. 595.°.
- Com tal alcance, e sem poder deixar de atribuir relevância a que o contrato de assunção de dívida é meramente consensual, pelo que a sua prova pode ser feita por testemunhas. Tudo para dar ênfase conceitual a que a assunção de dívida é, efectivamente, o acto pelo qual uma pessoa substitui outra na posição de devedora de uma determinada quantia, fazendo sua a posição passiva até então ocupada pelo transmitente na relação de crédito, contanto que, para o efeito, obtenha o acordo do credor, sendo este assentimento que torna fixo e irrevogável o contrato de assunção.
- Quanto ao art. 598.º do Código Civil, levando em consideração o que vem de se consignar – aqui considerado integralmente reproduzido -, o próprio e singular enunciado do invocado art. 598.º Código Civil (meios de defesa), a saber: “na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor”, afasta qualquer perfil derrogatório para o que se decidiu.
- O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza – «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta não é, assim, o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem.
- Conclusão reforçada com a emergência do disposto no art.º 474.º Código Civil (natureza subsidiária da obrigação), já que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Em princípio, o enriquecimento tem de ser obtido imediatamente à custa do património do empobrecido; todavia, o enriquecimento deve ser removido do património em que, através do património de terceiro, efectivamente se produziu.
- Não se perfilando, com os factos alinhados em probatório, a pretexto do que se estatui no art.º 479.º, n.º1, Código Civil (objecto da obrigação de restituir), o que dele ressuma. Ou seja, «desde que a pretensão do enriquecimento se destina a fazer com que o enriquecimento obtido sem causa seja devolvido ao empobrecido, segue-se que a obrigação de entregar o obtido, os proveitos, o que se adquiriu em virtude do direito obtido, o commodum de substituição, o valor, não existe na medida em que o enriquecimento do accipiens tenha desaparecido».
- Tudo visto: «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa incide, em princípio, sobre aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição tem, portanto, dois limites – o do enriquecimento e o do empobrecimento – e nisto se distingue doutras espécies de restituição previstas na lei ou da indemnização pelos danos sofridos».
- Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) doCPC – 615° NCPC).