Crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Constituição das sociedades como assistentes. Representação das pessoas colectivas. Apresentação de queixa em nome e no interesse da sociedade. Princípio da retificação da declaração. Declaração divergente da vontade real. Suprimento/correção de vício/ omissões puramente formais de atos. Poder/dever da promoção processual pelo MP. Falta de promoção de processo por crime particular. Nulidade insanável – efeitos

CRIME DE OFENSA A ORGANISMO, SERVIÇO OU PESSOA COLECTIVA. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES COMO ASSISTENTES. REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS COLECTIVAS. APRESENTAÇÃO DE QUEIXA EM NOME E NO INTERESSE DA SOCIEDADE. PRINCÍPIO DA RETIFICAÇÃO DA DECLARAÇÃO. DECLARAÇÃO DIVERGENTE DA VONTADE REAL. SUPRIMENTO/CORREÇÃO DE VÍCIO/ OMISSÕES PURAMENTE FORMAIS DE ATOS. PODER/DEVER DA PROMOÇÃO PROCESSUAL PELO MP. FALTA DE PROMOÇÃO DE PROCESSO POR CRIME PARTICULAR. NULIDADE INSANÁVEL – EFEITOS

RECURSO CRIMINAL  Nº 1372/22.1T9ACB-A.C1
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data do Acórdão: 16-04-2025
Tribunal: JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 3
Legislação: ARTIGOS 122.º, 241.º A 247º, 277.º, E 285.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGOS 146º, 163.º, N.º 1, 236.º, N.º 1, 249.º, 258.º, N.º 1 E 295.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 4.º, 48º, 50º, 119º, 122º E 285.º, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTS 115º, N.º 1, 217.º, N.º 3, 187.º E 188.º, DO CÓDIGO PENAL.

 Sumário:

I. As pessoas colectivas são, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código Civil, representadas, em juízo e fora dele, pela pessoa que os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado e que os negócios jurídicos realizados pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último [artigo 258.º, n.º 1, do Código Civil].
II. Quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.
III. A queixa abrange na sua dimensão dois elementos que se exigem ao titular do direito violado: a) dar conhecimento ao Ministério Público dos factos com relevância penal e b) manifestar vontade na promoção do processo penal.
IV. A declaração de vontade, por regra, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. [artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil].
V. Quando o declarante emite uma declaração divergente da vontade real, sem ter consciência dessa falta de coincidência, incorre num lapso ou equivoco, podendo ser rectificada, nos termos do artigo 249.º do Código Civil.
VI. Consagra-se, aqui, o principio da retificação da declaração aplicável, também, aos actos processuais praticados pelas partes no âmbito de um processo, por força do artigo 295.º, do Código Civil, em conformidade com os princípios processuais, como sejam o direito a um processo equitativo e à tutela judicial efetiva, a boa fé processual, a adequação formal e a prevalência do fundo sobre a forma.
VII. Não prevendo o Código de Processo Penal norma para suprimir as deficiências formais dos actos praticados pelos sujeitos processuais, é de convocar, subsidiariamente, o artigo 146º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º, do Código de Processo Penal, nos termos da qual, para além, da admissibilidade da retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada [artigo 146.º n.º 1], deve, ainda, o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa [artigo 146.º, n.º 2].
VIII. A circunstância da participação criminal não conter a expressão habitual que, neste tipo de situações, costuma ser usada para designar a actuação em nome de outrem, isto é, que o declarante actua por si e em representação das sociedades que representa; não significa que o declarante não tenha manifestado a vontade de apresentar queixa em nome e no interesse das sociedades que representa.
IX. A queixa não exige formalidades especiais, podendo ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a vontade inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto.
X. A validade e eficácia da queixa não depende da menção à fórmula sacramental, o denunciante, sócio maioritário e gerente das sociedades (…) por si e em nome das suas representadas requer a instauração do procedimento criminal.
XI. Se o participante, sócio gerente das sociedades ofendidas, revela no texto da participação, nos documentos e procuração que a acompanham e em todo o comportamento processual, mormente o acto de retificação, que a queixa por si assinada se destinava a instaurar procedimento criminal contra as denunciadas pelos factos lesivos dos interesses legítimos das empresas de quem é o legal representante, tendo subscrito e assinado a referida queixa em nome das daquelas, não pode deixar de se concluir que a queixa foi legitima e tempestivamente apresentada, produzindo, todos os seus efeitos na esfera jurídica das sociedades.
XII.O Ministério Público, no exercício da acção penal, tem o poder/dever de promover o processo e de tomar posição expressa sobre a sua tramitação e destino. Este poder/dever da promoção processual refere-se quer aos crimes de natureza pública, quer semi-pública, quer particulares.
XIII. No caso dos crimes particulares, a promoção processo consiste em notificar o assistente nos termos e para efeitos do disposto no artigo 285.º, do Código de Processo Penal, isto é, para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular [n.º 1], indicando na notificação se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes [n.º2], podendo nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles. [n.º 4].
XIV. Se o Ministério proferiu despacho de arquivamento em relação aos crimes públicos e semi-públicos, sem dar oportunidade à ofendida de se constituir assistente e deduzir acusação particular, não a tendo notificado nos termos dos preceitos legais citados, não promoveu o processo nos termos e segundo as regras legais do artigo 48º do Código de Processo Penal (que remete expressamente para o artigo 50º quanto aos crimes particulares).
XV. A falta de promoção de processo por crime particular integra a nulidade insanável prevista na alínea b) do artigo 119º do Código de Processo Penal, tornando inválido o acto em que se verificou, acarretando a invalidade do próprio despacho de arquivamento e de tudo o que foi praticado posteriormente ao arquivamento.
XVI. A nulidade tem por efeito, a invalidade do acto em que se verificaram, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afectar [artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].
XVII. A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. [artigo 122.º, n.º 2, do Código de Processo Penal].
XVIII. Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela [artigo 122.º, n.º 3, do Código de Processo Penal].
(Sumário elaborado pela Relatora)

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