Crime de furto. Tentativa
CRIME DE FURTO. TENTATIVA. LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR. DIREITO AO SILÊNCIO. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
RECURSO PENAL Nº 19/08.3GBCVL.C1
Relator: DR. BRÍZIDA MARTINS
Data do Acordão: 09-12-2009
Tribunal: COVILHÃ
Legislação: ARTIGOS; 32º DA CRP, 22º E 203º DO CP E 127º, 358º, 359º DO CPP
Sumário:
-
A ratio do instituto do artigo 359.º é a protecção dos direitos de defesa do arguido e este pode defender-se dos factos e da imputação que lhe foi feita, sendo indiferente que se tivesse “passado” de uma co-autoria consumada para uma autoria tentada. Isto é, para um mero minus relativamente ao que constava da acusação.
-
Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
-
Os Tribunais Superiores têm salientado, una voce, que o recurso em matéria de facto assume fulcral importância para a salvaguarda dos direitos constitucionais de defesa e, para tanto, deve a Relação proceder ao efectivo controlo da matéria de facto provada na 1.ª instância, por confronto desta com a documentação em acta da prova produzida oralmente na audiência.
-
Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente.
-
Assim, para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à sua utilização apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1.ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos, impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar.
-
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente ter como referência o consignado na acta quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 5 do artigo 412.º do CPP).
-
O direito ao silêncio, referido também no artigo 343.º, n.º 1, é uma expressão importante do direito de defesa, no quadro do princípio segundo o qual ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
-
Percebe-se, com efeito, a partir do carácter complexo de que se revestem as declarações do arguido, que este goze do direito ao silêncio e que seja inexigível o cumprimento do dever de verdade em relação aos factos que lhe são imputados, dever que, a existir, poderia inibir o arguido na estruturação da sua defesa.
-
Muito embora o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena –, não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer –, a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.
-
A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.
-
Para a consumação do crime de furto tem-se entendido que é suficiente, por exemplo, a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular (usualmente respectivo proprietário) para o agente (normalmente implicando desapossamento do proprietário e sua integração no património do agente), não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego. Ou seja: não é necessário a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura (illatio), para que se considere verificada a consumação do crime de furto.
-
Realizados todos os elementos constitutivos do tipo ocorre a consumação formal do crime de furto, ficando este assim perfeito, não sendo necessário que simultaneamente ocorra a sua consumação material, podendo esta, enquanto fase ulterior, ocorrer posteriormente.
-
No plano normativo, a tentativa constitui um título autónomo de crime, caracterizado pelo evento ofensivo que lhe é próprio (perigo), embora conservando o mesmo nomen juris do crime consumado (tipo) a que se refere e de que constitui execução incompleta. A configuração da tentativa como ilícito autónomo nasce da conjugação das duas normas: a da parte especial que incrimina determinado facto e a do artigo 22.º que estende a incriminação a actos que não representam ainda a consumação do crime a que se referem.
-
O critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem.
-
O arguido ao permanecer no local em que foi surpreendido pelos agentes da autoridade nas circunstâncias descritas, não o fazia ele com outra intenção (aliás, mesmo admitida pelo próprio, que aceita alguma participação no subtrair do gasóleo e no encher das 14 vasilhas com o mesmo) que não a de furtar, sendo indiferente que se tenha ou não apropriado dos objectos (aliás, se se tivesse apropriado, tal acto consumaria o assacado crime de furto).
-
Assim, de harmonia com o disposto no já referido artigo 22.º, n.º 2, alínea a), os actos praticados são de execução e constituem – em relação ao crime de furto – uma tentativa: o arguido praticou aqueles actos de execução do crime que decidira cometer, sem este se consumar. (As notas de rodapé referentes à doutrina e jurisprudência continuam a constar na fundamentação do acórdão).