Lucro tributável para efeitos de tributação em IRC. Instituto do caso julgado. Princípio ne bis in idem. Crime de fraude fiscal. Pena acessória de proibição do exercício de funções. Suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao pagamento. Omissão de pronuncia

LUCRO TRIBUTÁVEL PARA EFEITOS DE TRIBUTAÇÃO EM IRC. INSTITUTO DO CASO JULGADO. PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM. CRIME DE FRAUDE FISCAL. PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO. OMISSÃO DE PRONUNCIA

RECURSO CRIMINAL Nº 29/11.3IDLRA.C1
Relator: ROSA PINTO
Data do Acórdão: 10-07-2024
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 29.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGOS 50.º, 51.º, N.º 1, E 66.º, N.º 1 E 2, DO CÓDIGO PENAL; ARTIGOS N.º 1 DO ARTIGO 105.º, N.º 1, E 416.º DO C.P.P.; ARTIGOS 17.º E 23.º DO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS/CIRC; ARTIGOS 14.º, 47.º, N.º 1, 48.º, 103.º, N.º 1, DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS/RGIT

 Sumário:

I – O prazo de 10 dias, estabelecido no n.º 1 do artigo 105.º do C.P.P., para a elaboração do parecer referido no artigo 416.º, é um prazo indicativo.
II – « … os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa … O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico …».
III – Para que os custos referidos no artigo 23.º do CIRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário que tenham sido efectivamente suportados pelo sujeito passivo, que tenham sido inscritos na contabilidade do sujeito passivo, que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
IV – Custos indispensáveis são «aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é, que foram incorridos para outros fins».
V – No caso das denominadas «faturas falsas» cabe à Administração Tributária o ónus de colocar em causa a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respetivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração constante no artigo 75.º da LGT, cabendo, depois, ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado.
VI – O princípio do ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, «comporta duas dimensões: a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto».
VII – A expressão “mesmo crime”, que resume o princípio do ne bis in idem, tem que ser entendida como um facto ou conjunto de factos, uma certa conduta ou comportamento, um acontecimento histórico, delimitados no tempo e no espaço, pois é a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado que se quer evitar.
VIII – Sendo os factos distintos não se verifica caso julgado material e não ocorre violação do princípio constitucional “ne bis in idem”, mesmo que, ao nível da qualificação jurídica, fosse de concluir que todos os factos, se apreciados em conjunto, eram susceptíveis de configurar um único crime, por terem subjacente a mesma resolução criminosa.
IX – Os conceitos de caso julgado e ne bis in idem não são coincidentes: o caso julgado refere-se essencialmente à força da decisão/sentença em si mesma, dentro do processo ou fora dele, sendo razões de ordem pública, intimamente relacionadas com a segurança jurídica e judiciária que justificam, de forma imediata, a protecção do caso julgado, aparecendo a protecção individual como derivada daquela; a protecção do ne bis in idem dirige-se em primeira linha à pessoa, à protecção da sua dignidade, corolário indispensável do Estado de Direito.
X – O disposto no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT consagra um desvio ao princípio da suficiência da acção penal, consagrado no artigo 7.º do C.P.P.
XI – O bem jurídico protegido no crime de fraude fiscal é «a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social», bem como «a pretensão do Estado de contar com uma colaboração leal dos cidadãos na determinação dos factos tributáveis».
XII – Para a verificação do tipo objetivo do crime de fraude fiscal é necessário o atentado à verdade ou transparência corporizado nas diferentes modalidades de falsificação previstas no n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.
XIII – No crime de fraude fiscal punem-se os actos preparatórios destinados a obter uma vantagem patrimonial indevida nas relações entre o obrigado tributário e o Estado, quer a esses actos se siga o resultado lesivo para o património fiscal ou não, pois o dano/enriquecimento indevido não é elemento típico do crime.
XIV – O artigo 14.º do RGIT aplica-se a todos os crimes tributários.
XV – A obrigatoriedade da condição constante do artigo 14.º do RGIT não afasta a aplicação do AUJ 8/2012, no sentido da necessidade de o tribunal averiguar a situação económico-financeira do arguido para efeitos de ser ponderada a eventual suspensão da execução da pena.
XVI – É nula, por omissão de pronúncia, a decisão que, considerando a situação económica concreta do arguido, não pondera a sua real situação e a sua capacidade para proceder ao pagamento da quantia em causa.
XVII – O pressuposto formal da condenação na pena acessória de proibição do exercício de funções, do artigo 66.º, n.º 1, alínea a), e n,º 2, do Código Penal, é a condenação em pena de prisão superior a 3 anos, independentemente da sua execução ser ou não suspensa.
XVIII – O juízo a fazer para a suspensão da execução da pena de prisão é distinto daquele outro para a aplicação da pena acessória: no primeiro o juízo traduz-se numa prognose favorável ao comportamento futuro do arguido e no segundo estão em causa as necessidades de prevenção geral e especial, mas também a culpa do agente.
XIX – A profissão de revisor oficial de contas está abrangida pelo n.º 2 do artigo 66.º do Código Penal.

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