Homicídio qualificado. Especial censurabilidade. Perversidade. Vítima agente de força pública. Agravação pelo uso de arma. Concurso efetivo de crimes. Homicídio. Detenção de arma proibida
HOMICÍDIO QUALIFICADO. ESPECIAL CENSURABILDIDADE. PERVERSIDADE. VÍTIMA AGENTE DE FORÇA PÚBLICA. AGRAVAÇÃO PELO USO DE ARMA. CONCURSO EFECTIVO DE CRIMES. HOMICÍDIO. DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
RECURSO CRIMINAL Nº 5/16.0GACVL.C1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data do Acordão: 22-11-2017
Tribunal: CASTELO BRANCO (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2)
Legislação: ARTS. 131.º E 132.º, N.ºS 1 E 2, DO CP; ART. 86.º, N.º 3, DA LEI 5/2006, DE 23-02
Sumário:
- Se não oferece dúvida que o artigo 132.º do CP não limita taxativamente os factos que constituem as circunstâncias qualificadoras, também é certo que os padrões de uma acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrentes dos exemplos do n.º 2 daquele normativo, constituem elementos da culpa e, como tal, não operam automaticamente.
- Para a verificação da qualificativa prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, não basta demonstrar única e exclusivamente a qualidade do ofendido, mas será sempre necessário provar a existência de circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Tal só acontecerá se na perpetração do homicídio estiver uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da vítima ou à função que ela desempenhava.
- O quadro factual revelado nos autos deixa transparecer uma determinação do arguido, formada ao momento, em escassos segundos, numa ocasião em que, pela hora em que se deu a intervenção dos elementos da GNR, não custa a crer que tivesse acabado de acordar, portanto num quadro onde não se descortina um processo de reflexão maturado, não sendo de excluir nas circunstâncias em que atuou – na presença de vários militares que levavam a efeito uma busca à sua habitação com vista à captura de um seu sobrinho, evadido do Estabelecimento Prisional, os quais teria de supor mostrarem-se armados – alguma desorientação emocional na medida em que ninguém [dentro dos padrões de normalidade], e também assim o arguido, nesse contexto, poderia afastar uma forte probabilidade de vir a ser alvejado, o que, será de convir, não é a atuação típica do homicida calculista, pelo menos de acordo com as regras de experiência comum.
- No cenário descrito, apesar de a vítima revestir a qualidade de elemento das forças de segurança, então no exercício das suas funções e, assim, se incluir no círculo daqueles a que se reporta a qualificativa da alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, indiciadora de uma especial censurabilidade, em consequência das concretas circunstâncias da ação, é de afastar o funcionamento da referida qualificativa por se mostrar a conduta do arguido ainda a coberto da censura do tipo matricial de homicídio.
- Na situação, como a dos autos, em que o instrumento utilizado no cometimento do crime de homicídio (no caso, na forma de tentativa) é uma espingarda de caça, relativamente à qual o arguido não detinha licença de uso e porte de arma, verifica-se concurso efectivo entre o dito crime e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 3.º, n.º 6, alínea c), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
- Não há fundamento legal para afastar a agravação prevista no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02, quando o uso de arma não é elemento do crime de homicídio e não leva ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132.º do CP.
- Por maioria de razão, essa agravação existe quando os factos integram o crime de homicídio simples (artigo 131.º do CP).
- Não constitui obstáculo à agravação decorrente do n.º 3 do artigo 86.º da Lei 5/2006 a circunstância de o arguido ter sofrido condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, pois que àquela é absolutamente irrelevante que o agente esteja numa situação de legalidade ou ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar ainda que o arguido tivesse licença de uso e porte de arma.