Fiador. Renúncia ao benefício de excussão. Dação em cumprimento de imóvel hipotecado. Desoneração
FIADOR. RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO. DAÇÃO EM CUMPRIMENTO DE IMÓVEL HIPOTECADO. DESONERAÇÃO
APELAÇÃO Nº 91523/21.3T8CTB-A.C1
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data do Acórdão: 09-11-2022
Tribunal: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Legislação: ARTIGOS 634.º, 640.º, AL.ª A), 644.º, 648.º E 653.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – O património do devedor constitui a garantia geral de cumprimento das obrigações assumidas perante os credores, de harmonia com o disposto no artigo 601.º do Código Civil, sendo que, em determinados casos, estes podem exigir daquele algumas garantias acrescidas, prevenindo uma eventual insolvabilidade;
II – De entre essas garantias, aparecem-nos as pessoais, de que é apanágio a fiança, ficando através dela o fiador pessoalmente obrigado perante o credor, pela satisfação do crédito afiançado, sendo a sua obrigação acessória da obrigação principal – “ A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”/artigo 634.º; “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor na medida em que estes foram por ele satisfeitos/artigo 644.º;
III – O legislador permite ao fiador uma vigilância constante relativamente ao comportamento do devedor e ao comportamento do credor, num caso e noutro para garantia do seu direito à eventual sub-rogação, nomeadamente através do estabelecido no art.º 653.º, que estabelece que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem”.
IV – A não intervenção do fiador no negócio consistente na dação em cumprimento do imóvel hipotecado, poderá fundamentar defesa excepcional do mesmo, à luz das regras da boa-fé, por ter sido accionado pelo credor para pagamento do remanescente em dívida, por exemplo, no caso de se sentir prejudicado por entender que o valor atribuído ao imóvel é substancialmente inferior ao seu real valor de mercado, e que por isso não pode ver o crédito afiançado ser totalmente satisfeito através daquele negócio;
V – Mas, se os fiadores se constituíram principais pagadores da dívida contraída pelo devedor principal, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia, significa que é vontade dos mesmos permitir que o credor possa exigir a dívida do devedor principal ou do fiador, sem que este invoque que só pagará quando aquele já não tiver património suficiente para responder pela dívida;
VI – Por isso, se o fiador não goza do benefício da excussão, por dela ter renunciado validamente, assumindo a obrigação de principal pagador, já não poderá valer-se da norma do artigo 653.º – que pressupõe um facto voluntário (mas não necessariamente culposo) do credor afiançado que determine a perda da faculdade de sub-rogação nos direitos que a estes assistiam;
VII – Renunciado o benefício de excussão, assumida a obrigação de principais pagadores, os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização – na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes – credor e devedor – e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia, nunca poderiam estar “aconchegados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poder fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança – ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor/ com a extinção parcial da obrigação originada pela escritura de dação, não ocorreu qualquer extinção da fiança, mas antes a redução da mesma ao montante remanescente ainda em dívida após a entrega do imóvel sub judice em dação.
(Sumário elaborado pelo Relator)