Contrato de empreitada. Empreitada de consumo. Resolução. Relação de liquidação. Indemnização. Interesse contratual positivo. Compensação. Prova. Confissão. Prova plena. Sigilo profissional de advogado
CONTRATO DE EMPREITADA. EMPREITADA DE CONSUMO. RESOLUÇÃO. RELAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO. INDEMNIZAÇÃO. INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO. COMPENSAÇÃO. PROVA. CONFISSÃO. PROVA PLENA. SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
APELAÇÃO Nº 4581/15.6T8VIS.C2
Relator: BARATEIRO MARTINS
Data do Acordão: 04-05-2020
Tribunal: VISEU – INSTÂNCIA CENTRAL
Legislação: ARTS. 347, 352, 358, 433, 801, 802, 1207, 1208, 1221, 1222, 1223 CC, LEI Nº 24/96 DE 31/7, DL Nº 67/2003 DE 8/4, ART.92 EOA
Sumário:
- Configura uma empreitada de consumo (e não o tipo contratual comum) aquela que é estabelecida entre uma pessoa singular que contrata a construção duma moradia para habitar com amigos e familiares e uma sociedade por quotas que tem como objeto a atividade de construção civil.
- Não existe diferença entre os conceitos de “defeito” e de “falta de conformidade” da lei comum (C. Civil) e da lei especial (DL 67/2003), respetivamente, assim como, preenchidos tais conceitos, os direitos do dono da obra são idênticos em ambos os regimes, situando-se o essencial das diferenças/especialidades no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra.
- Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), no âmbito do DL 67/2003 os direitos do consumidor dono da obra são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido).
- Assim, perante faltas de conformidade abundantemente provadas e atrasos sucessivos na conclusão da obra, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o consumidor dono da obra que, ao abrigo do disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve na solicitada reparação/conclusão da obra, opte logo a seguir e sem mais – sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – pela resolução contratual.
- Efetuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeitos).
- Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva (por efeito da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico) – pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara, razão pela qual quer a lei geral (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC) quer o art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003) hajam previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização.
- Indemnização que, em caso de cumulação com a resolução, deve colocar o credor (no caso, o dono da obra) na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento), uma vez que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é um incumprimento contratual.
- O que significa que não há nenhum obstáculo jurídico a que, a título de indemnização por danos patrimoniais, o dono da obra (que resolveu o contrato) peça a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos (pedidos que visam colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido).
- Devendo a tal crédito indemnizatório do dono da obra ser descontado o crédito compensatório (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que o empreiteiro tenha direito pelo valor de tudo o que prestou (e que na economia do contrato ainda iria prestar), crédito compensatório este diminuído dos montantes que haja recebido, a título de preço, do dono da obra.
- Estando provados factos que mostram que um facto – a propósito do montante do preço ainda em dívida por parte do dono da obra – confessado extrajudicialmente pelo empreiteiro não é verdadeiro, ou seja, estando provado, em face do preço global da empreitada e de todos os pagamentos efetuados pelo dono da obra (isto por confissão judicial deste), que é superior o montante do preço da empreitada em dívida, estamos (mais do que perante uma colisão entre confissões) perante a hipótese prevista no art. 347.º do C. Civil – mostra-se não ser verdadeiro o facto objeto da confissão extrajudicial – razão pela qual vale/prevalece o que resulta dos factos provados sobre a diferença entre o preço global da empreitada e os pagamentos efetuados pelo dono da obra.
- Retratando os mails trocados entre uma parte e o advogado da outra parte meras comunicações e/ou declarações de ciência – a parte diz que já só deve € 6.300,00 e o advogado da outra parte responde que ainda deve € 8.300,00 mais IVA – e não quaisquer negociações (quaisquer cedências mútuas, tendo em vista colocar termo ao diferendo ou litígio), não estão os mesmos cobertos por sigilo profissional, podendo ser juntos e ser probatoriamente valorados.