Danos causados por actividade perigosa. Presunção de culpa. Transfusão de sangue. Nexo causal. Ónus da prova
DANOS CAUSADOS POR ACTIVIDADE PERIGOSA. PRESUNÇÃO DE CULPA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. NEXO CAUSAL. ÓNUS DA PROVA
APELAÇÃO Nº 3529/05
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Data do Acordão: 11-07-2006
Tribunal Recurso: VARAS MISTAS DE COIMBRA
Legislação Nacional: ARTº 341º E 493º, Nº 2, DO C. CIV. ; D.L. Nº 383/89, DE 6/11
Sumário:
- Perguntando-se num quesito se a contaminação pelo VHC foi causada pela transfusão de sangue, o julgador não pode transpor para a resposta o parecer pericial segundo o qual a transfusão foi «a causa provável» dessa contaminação, antes deve tomar posição definida respondendo não provado ou provado ainda que com esclarecimentos.
- Numa acção, para a prova dum facto não se exige a certeza absoluta, mas tão só a certeza relativa, um alto grau de probabilidade objectivável, suficiente para as necessidades práticas da vida.
- Se à data da transfusão havia o conhecimento médico de que uma nova doença de origem viral era transmissível por via sanguínea mas sem que o vírus estivesse identificado pela ciência, nenhuma análise ao sangue do dador podia revelar que este estivesse contaminado com o vírus mais tarde identificado como VHC.
- Em Portugal inexiste regime legal específico sobre responsabilidade por actos médicos.
- O juízo normativo de adequação, que há-de acrescer ao juízo naturalístico da causalidade, deve ter um sentido que se coadune com a espécie de responsabilidade civil em causa, a pré-determinar.
- Para que o tratamento consistente em transfusão constitua ofensa à integridade física é necessário que se verifique a falta de algum destes requisitos: qualificação do agente; intenção terapêutica; indicação médica; realização do acto segundo as «leges artis».
- Impende sobre o paciente lesado o ónus da prova da ilicitude da transfusão de sangue, ilicitude que não se deve ter por verificada quando o médico assumiu o tratamento com transfusão que se mostrou necessária na sequência de intervenção cirúrgica ao joelho, não se mostrando verificado negativamente algum dos ditos requisitos
- Provindo o sangue humano a transfundir não de banco de sangue mas de determinado dador, e porque este sangue está fora do comércio, inexiste legislação que sancione os danos resultantes em termos de pura responsabilidade objectiva.
- Havendo especial periculosidade pela possibilidade de contaminação viral, a actividade de transfusão de sangue é perigosa para os efeitos do art. 493º nº2 do Código Civil, que consagra regime de responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, atenta a específica presunção de culpa.
- Tendo o serviço médico empregado todas as providências exigidas e em discussão, face ao estado da ciência e da técnica até à data da transfusão, não se pode concluir em termos de juízo de prognose póstuma que haja responsabilidade pelos danos resultantes da transfusão.