Alteração substancial ou não substancial de factos. Obrigação de indemnizar fundada na prática de um crime. Elemento subjectivo do crime. Prova por presunção. Crime de insolvência dolosa. Cláusula de extensão do tipo. Administrador de facto. Responsabilidade criminal do terceiro
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL OU NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS. OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR FUNDADA NA PRÁTICA DE UM CRIME. ELEMENTO SUBJECTIVO DO CRIME. PROVA POR PRESUNÇÃO. CRIME DE INSOLVÊNCIA DOLOSA. CLÁUSULA DE EXTENSÃO DO TIPO. ADMINISTRADOR DE FACTO. RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO TERCEIRO
RECURSO CRIMINAL Nº 1007/16.1T9CBR.C1
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data do Acórdão: 10-07-2024
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA – JUIZ 2
Legislação: ARTIGOS 358.º E 359.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGOS 12.º E 277.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – As regras da alteração substancial ou não substancial de factos, constantes dos artigos 358.º e 359.º do C.P.P., respeitam exclusivamente aos factos relevantes para a condenação criminal.
II – A obrigação de indemnizar fundada na prática de um crime tem por fonte duas causas de pedir autónomas, a responsabilidade criminal e civil, mas conexas entre si.
III – A presunção judicial permite que, de entre uma categoria de circunstancias e por meio do método indutivo decorrente das regras da experiência comum, se aceda aos factos ocultados, constituindo uma prova legalmente admissível em processo penal, como decorre do artigo 125.º do C.P.P. e que é, nos termos do artigo 127.º, apreciada segundo a livre convicção do julgador.
IV – Os factos que integram o dolo constituem o exemplo mais frequente da prova indirecta ou por presunção, sendo alcançável, na maioria das vezes, através de juízos indutivos do comportamento exterior e visível do agente idóneo a revelá-lo, sendo as circunstâncias e elementos revelados nos actos externos que identificam os vários elementos do dolo, o conhecimento, a vontade e o propósito da actuação do agente, inferindo-se destes actos objectivos conhecidos os actos subjectivos.
V – O crime de insolvência dolosa é um crime de execução vinculada e um crime especifico próprio, na medida em que a ilicitude das acções típicas descritas depende de determinadas qualidades do agente, que o coloca numa relação especial com o bem jurídico protegido, em concreto o devedor cuja insolvência possa ser objecto de reconhecimento judicial.
VI – As condutas previstas no n.º 1 do artigo 227.º do Código Penal só consubstanciam ilícitos típicos quando realizadas pelo devedor – originário ou derivado do artigo 12.º do Código Penal -, pois é o devedor que detém em exclusivo o poder de lesar ou colocar em perigo os direitos dos seus credores.
VII – O artigo 12.º do Código Penal permite responsabilizar criminalmente quem actua voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, ainda que o tipo de crime exija elementos pessoais que se verificam directamente na pessoa do representado, ou exige que agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.
VIII – Por força da cláusula de extensão do tipo prevista no artigo 12.º do Código Penal a qualidade de devedora da sociedade insolvente, exigida pelo n.º 1 do artigo 227.º do Código Penal, transmite-se às pessoas singulares que, em nome daquela, exerçam a respectiva gerência ou administração de facto e/ou de direito, podendo ser responsabilizados criminalmente como autores imediatos do crime de insolvência dolosa, assegurando o legislador, desta forma, a tutela do património dos credores.
IX – A questão de saber se o administrador de facto pode ser responsabilizado criminalmente pelos actos voluntariamente praticados em nome sociedade veio a ser resolvida com a introdução, no artigo 227.º, do n.º 5 da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (actual n.º 3).
X – A responsabilidade criminal do terceiro – aquele que praticar as condutas descritas com o conhecimento do devedor ou em beneficio deste -, não resulta da extensão da qualidade de devedor, mas da autonomia que lhe é conferida pelo artigo 227.º, n.º 2, do Código Penal.