Acidente de viação. Pluralidade de contratos de seguro. Seguro de responsabilidade civil automóvel. Seguro de acidentes pessoais. Seguro de danos. Seguro de pessoas. Prestação de valor predeterminado. Prestação de natureza indemnizatória. Cumulação de prestações. Presunções judiciais. Bombeiro. Dano da perda da vida. Montante da indemnização

ACIDENTE DE VIAÇÃO. PLURALIDADE DE CONTRATOS DE SEGURO. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL. SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS. SEGURO DE DANOS. SEGURO DE PESSOAS. PRESTAÇÃO DE VALOR PREDETERMINADO. PRESTAÇÃO DE NATUREZA INDEMNIZATÓRIA. CUMULAÇÃO DE PRESTAÇÕES. PRESUNÇÕES JUDICIAIS. BOMBEIRO. DANO DA PERDA DA VIDA. MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
APELAÇÃO Nº 39/23.8T8CTB.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acórdão: 23-01-2024
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Legislação: ARTIGOS 1.º, 16.º, N.º 1, 24.º, N.º 1, 102.º, 128.º, 180.º DO RJCS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16-04
Sumário:
I – No tocante ao objecto da prestação a que o segurador se obriga, os contratos de seguro distinguem-se em contratos de seguro de prestações indemnizatórias ou convencionadas, consoante o segurador se obriga a prestar o valor correspondente aos danos resultantes do sinistro, de harmonia com o chamado princípio indemnizatório, ou um valor previamente fixado no contrato;
II – Salvo convenção contrária, as de prestações do seguro de valor predeterminado são cumuláveis, quer com as de outros seguros com prestações da mesma natureza, quer com prestações de natureza indemnizatória, relativamente ao mesmo risco, cumulação que só é excluída se o seguro de pessoas garantir prestações indemnizatórias relativas a um mesmo risco;
III – O segurador que realize prestações de valor predeterminado no contrato de seguro não fica sub-rogado nos direitos da pessoa segura ou do beneficiário do seguro contra terceiro que dê causa ao sinistro, regra que reveste carácter injuntivo e tem, precisamente, por finalidade permitir a acumulação de prestações; em caso de dúvida, o carácter indemnizatório das prestações do segurador, únicas relativamente às quais se admite a convenção de sub-rogação – escrita em caracteres destacados – depende de expressa e clara previsão contratual nesse sentido;
IV – Em caso de morte a lei manda atender aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, previsão refere-se nitidamente a todos os danos não patrimoniais que emergem da morte de uma pessoa – que não directamente a própria morte, categoria de danos que assume, porém, configurações casuísticas muito diversificadas, dado que estando em causa o sofrimento, tanto físico como psicológico – v.g. a angústia pela antevisão da morte – a sua intensidade e duração só podem aproximativamente medir-se no contexto concreto e específico das várias situações vivenciada pela vítima, antes do seu falecimento;
V – A morte pode ser mais lenta ou mais rápida, mais ou menos dolorosa, podendo ser instantânea ou resultar de uma agonia longa e penosa; a morte pode ter sido indolor ou ser antecedida de um sofrimento excruciante; a vítima pode ter pressentido o avanço da morte ou não ter tido a mínima consciência da sua aproximação, v.g., por estar inconsciente; qualquer destes factos não pode, simplesmente, ser deduzido da morte de uma pessoa, pelo que para que se deva assentar na sua realidade é necessário considerar outros parâmetros, não existindo qualquer regra de experiência ou critério ou standard social que justifique a ilação de que a morte é sempre intuída, pressentida ou dolorosamente vivenciada pela vítima, tudo dependendo das circunstâncias em que aquele facto nefasto, lamentável e irreversível se verificou;
VI – A morte de uma pessoa é susceptível de causar danos às pessoas a quem se mostre ligado por vínculos familiares, em especial aos pais, ao cônjuge e aos filhos, devem ser ponderadas, para a determinação da compensação dos danos não patrimoniais, as circunstâncias em que a morte se verificou, o seu carácter imprevisto, a intensidade do impacto traumático e a dificuldade de superação do luto pelo que, estando em causa o dano de apego ou de afeição – a dor e o desgosto de certos familiares da vítima, provocados pela morte desta – no domínio estrito da responsabilidade civil é determinante, na fixação dos montantes indemnizatórios, para além da fonte do elo familiar, o concreto grau de ligação afectiva existente entre os titulares da indemnização e aquele cuja morte a ocasionou, devendo relevar, no sentido da majoração, a coabitação do titular com a vítima à data da morte;
VII – O princípio da equidade que deve estar presente na fixação de compensações por danos não patrimoniais obriga a uma criteriosa ponderação das particulares circunstâncias em que se deram os eventos lesivos e das causas que contribuíram para o seu desfecho catastrófico e, apesar de dever ser levado em conta a necessidade de observância dos princípios da universalidade e da igualdade, não deve deixar-se de ter em atenção as especiais e complexas circunstâncias de que se reveste a situação concreta;
VIII – Por força dos princípios estruturantes da igualdade e da confiança, impõe-se, um esforço de uniformização e de unidade na aplicação do direito – scilicet, na determinação do valor da indemnização – desde que haja entre as realidades comparadas, apesar de serem simultaneamente idênticas e diversas, uma relação de semelhança, i.e., se apresentarem as mesmas características essenciais;
IX – Dado que a prova em juízo nunca é fácil e é, por certo, muito mais difícil, quando o seu objeto são factos situados ou que relevam do foro interno ou do plano psíquico de uma pessoa, como o sofrimento psíquico ou psicológico, o medo, a ansiedade, a premonição de um acontecimento nefasto ou trágico, etc., justifica-se, para ultrapassar esta dificuldade, uma utilização intensiva de regras de experiência e de critérios sociais – do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede – e, mesmo, em última extremidade, de uma prova prima facie, i.e. de uma prova em que a tipicidade da inferência probatória é de tal modo forte que só cede perante dúvidas fundadas, quer dizer, perante uma contraprova também ela prima facie ou perante a prova do contrário;
X – As presunções judiciais são operações probatórias, tendo por base as regras de experiência resultantes do curso normal dos factos, mas para que a sua utilização seja correcta, exige-se uma relação entre o facto probatório e o facto probando, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo.
XI – Para a aplicação correcta da presunção é indispensável a prova do facto que constitui a sua base.
(Sumário elaborado pelo Relator)
