Intervenção do Presidente do TRC de abertura na Conferência «A Indemnização do Dano Corporal nos Acidentes de Trabalho e a sua Articulação com o Regime do Direito Civil»

 

 

Intervenção de abertura na

Conferência «A Indemnização do Dano Corporal nos Acidentes de Trabalho e a sua Articulação com o Regime do Direito Civil»

organizado pela Associação Portuguesa de Seguradores, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pelo Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros sedeado na Faculdade de Direito de Coimbra, no Salão Nobre da Relação de Coimbra, em 18 de Outubro de 2019

Luís Azevedo Mendes

Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra

 

 

 

– Senhor Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores, Engenheiro José Galamba de Oliveira, a quem me dirijo assumindo em V. Ex.ª a representação das entidades organizadoras

– Senhor Professor Dr. Filipe Albuquerque Matos, pelo Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros, da Faculdade de Direito de Coimbra, quem me apresentou a ideia de realizar esta Conferência na Relação de Coimbra

– Senhor professor Pedro Romano Martinez, pelo Instituto de Direito Privado da Faculdade de Direito de Lisboa, também co-organizador e uma referência na matéria que hoje vai ser tratada

– Senhor Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, Professor Francisco Corte Real

– Senhor Conselheiro Júlio Gomes, Senhores Professores e ilustres nossos conferencistas de hoje

– Senhores Desembargadores e demais magistrados presentes

– Senhoras e Senhores participantes

 

1.Na ocasião da abertura desta valiosa Conferência sobre a indemnização do dano corporal nos acidentes de trabalho e a sua articulação com o regime do Direito Civil, as primeiras palavras são para agradecer às instituições organizadoras a escolha do tema desta Conferência, bem merecedor de um debate actualizado entre o legislador, a medicina legal, os juristas do ensino e da ciência e os juristas de aplicação.

Sei que têm mantido e executado um virtuoso protocolo de colaboração entre a Associação Portuguesa de Seguradores e as Faculdades de Direito de Coimbra e de Lisboa e já no ano passado concretizaram um outro Colóquio sobre matéria de seguros que contou com a colaboração da Relação de Lisboa.

Agradeço-lhes este ano a escolha deste salão nobre da Relação de Coimbra para a Conferência, sem dúvida um bom local para inspirar um diálogo articulador entre a concepção e a acção realizadora. É a partir dos contributos recolhidos nesse diálogo que num tribunal superior, como este, muitas vezes se constroem novas e melhores jurisprudências.

 

2.O sistema de reparação dos acidentes de acidentes de trabalho tem no nosso país uma longa e virtuosa história, que fui observando e aprendendo a muito apreciar ao longo dos meus anos de exercício em funções jurisdicionais.

Sendo eminente matéria de Segurança Social, portanto matéria pública e não meramente privada, o sistema foi construído e mantido desde há um século a esta parte como uma parceria público-privada, baseada num sistema de seguro obrigatório. Talvez se possa mesmo dizer que será a única parceria público-privada que nunca mereceu reparos de maior em Portugal e é objecto de generalizada estima.

Lembremos que este ano se comemoram os cem anos da Organização Internacional de Trabalho, instituída em 1919 pelo Tratado de Versalhes que pôs fim à 1ª Guerra Mundial. Foi a OIT que introduziu na agenda internacional a matéria dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Na sua declaração constitutiva bem identificou “a protecção dos trabalhadores contra doenças gerais ou profissionais e contra acidentes de trabalho” como elemento fundamental da justiça social e deu lugar a importantes instrumentos internacionais nesta área, na busca de condições justas para o trabalho digno.

No nosso país, todavia, o sistema de reparação já estava legislado desde 1913, pela Lei n.º 83, de 24-07-1913. E foi precisamente há cem anos, em 1919, no mesmo ano da criação da OIT, que foi criado entre nós o chamado “seguro social obrigatório, contra desastres no trabalho”, pelo Decreto n.º 5637, de 10-05-1919, dando origem à actual e singular matriz de reparação, subtraída da gestão da segurança social, embora sendo matéria de segurança social.

O contraponto à privatização do sistema de reparação foi o de forte controlo público, através dos tribunais de trabalho e do Ministério Publico, num sistema que, de tanta antiguidade, é uma constante surpresa de sobrevivência, porventura anúncio de vida eterna. O Ministério Público tem, exactamente por isso, nos juízos do trabalho uma importância que em nenhuns outros tem. Basta dizer, para exemplificar, que o único processo considerado como de natureza jurisdicional e que é inteiramente dirigido pelo Ministério Público, e não por um juiz, é o processo especial emergente de acidentes de trabalho, na sua fase conciliatória.

Esta realidade de tratamento deu lugar a um sistema exemplar. De tal forma que bem se pode dizer que, graças a ele, ocorreu uma notável evolução no que toca aos acidentes de trabalho, na lei, na jurisprudência e na prática, evolução que não ocorreu da mesma forma com as doenças profissionais, afastadas que estão do modelo do seguro obrigatório com controlo judicial.

Muito regulamentado e tarifado, portanto dotado de grande inércia, ainda assim evoluiu dos parâmetros da responsabilidade contratual para os do regime regra da responsabilidade civil extracontratual objectiva e dentro desta dos pressupostos assentes na chamada teoria do risco profissional para os da teoria do risco económico ou de autoridade, o que permitiu ampliar o conceito de acidente de trabalho a outras realidades como os acidentes de trajecto, por exemplo.

O diálogo assim construído com o direito civil vai ainda permitindo, embora lentamente, equacionar mais perfeitamente os problemas práticos da concorrência com o regime da responsabilidade civil subjectiva de terceiros e do próprio empregador, este o contributo mais relevante da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009, actualmente em vigor.

E é nesse cruzamento de responsabilidades que vamos encontrar disfunções e diferenças que seriam de evitar e que, a meu ver, acontecem entre o regime de reparação dos acidentes de trabalho e aquilo a que chamo de regime geral de reparação acidentária, mesmo quando envolvem reparação por seguradoras.

Não são só as diferenças na avaliação do dano corporal, mas também são. Ocorrem também diferenças no cálculo das compensações e no modo da sua prestação, nas tarifas legais, jurisprudenciais ou a pedido.

É necessário um olhar de estranheza sobre tudo isto para conseguir aproximações socialmente úteis.

Não seria preferível uma única e geral tabela nacional de incapacidades para todo o tipo de acidentes susceptíveis de reparação? Nos acidentes de viação ou de idêntica natureza, com cobertura de seguro, não seria preferível garantir aos lesados a mesma assistência em espécie que as seguradoras garantem aos sinistrados do trabalho, na reparação do dano corporal? Nos acidentes de trabalho não seria preferível e mais justo garantir aos sinistrados através do sistema de seguro obrigatório, em qualquer caso, uma reparação mais abrangente, não exclusivamente tarifada, antes mais aberta à cobertura da totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais?

 

3. Senhoras e Senhores

Outras questões, e talvez estas de que aqui falei, serão certamente aqui tratadas com muito brilho e interesse, tão notáveis são os conferencistas agendados no programa.

Manda esse programa, invulgarmente extenso, que não vos tome mais tempo e que lhes passe de imediato a palavra.

A todos agradeço pela presença, distintos conferencistas e participantes, e a todos dou amigas boas vindas.

A todos desejo, finalmente, uma óptima e agradável sessão de trabalho nesta centenária Relação de Coimbra.

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