Execução. Título executivo. Contrato de abertura de crédito. Interpretação. Livrança. Preenchimento. Avalista. Abuso de direito. Venire contra factum proprium
EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. INTERPRETAÇÃO. LIVRANÇA. PREENCHIMENTO. AVALISTA. ABUSO DE DIREITO. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
APELAÇÃO Nº 2793/16.4T8ACB-A.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 16-10-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – JUÍZO EXECUÇÃO
Legislação: ARTS. 703 CPC, 236, 334 CC, 70, 71, 77 LULL
Sumário:
- No art. 236º, nº 1, do CC (e art. 10º do regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL 446/85, de 25.10), consagra-se a teoria da impressão do destinatário, apelando-se a um declaratário medianamente instruído para compreender o texto ou conteúdo da declaração e diligente para recolher todos os elementos que coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade do declarante, com o objectivo de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante – interpretação normativa -, e não o sentido que este lhe quis efectivamente dar – interpretação psicológica.
- Se as partes num contrato de abertura de crédito estipulam que a livrança dada em garantia será preenchida, quanto à data de vencimento, após o incumprimento das obrigações do devedor, sem previsão de qualquer data vinculativa ou indicativa, não pode tal cláusula ser interpretada como sendo obrigatório a aposição de uma data imediatamente posterior a tal incumprimento, tanto mais que a devedora 3 meses depois do incumprimento se propunha regularizar as dívidas durante um prazo alargado e o Banco credor acolheu parcialmente tal pretensão;
- O abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, tem como pressupostos: a) situação de confiança, traduzida na boa fé, que leva uma pessoa a acreditar estavelmente, em conduta alheia – no factum proprium; b) uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; c) investimento dessa confiança como orientação de vida, desenvolvendo actividade na crença do factum proprium, actividade que se vê agora destruída pelo venire, com o correlativo regresso injusto à situação anterior; d) imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para tal.
- Não se verifica o aludido venire por parte do exequente se o mesmo nunca instilou junto dos devedores uma situação objectiva de confiança de que não iria cobrar o capital e juros devidos.
- O aval esgota-se no título cambiário, não lhe sobrevivendo se a obrigação cambiária do avalizado tiver sido declarada prescrita nos termos dos arts. 71º e 77º da LULL.
- Valendo um título de crédito (livrança) como mero quirógrafo executivo não se estende tal natureza executiva, nos termos do art. 703, nº 1, c), do NCPC, ao simples ex-avalista apenas pela mera emissão do aval.
- O mesmo acontecendo se ele não se vinculou pessoalmente na relação subjacente à emissão de tal livrança.