Crime de abuso sexual de crianças agravado. Crime de importunação sexual. Falta de exame crítico das provas. Rejeição da impugnação ampla da matéria de facto. Impugnação alargada da matéria de facto. Condenação por factos diversos dos descritos na acusação sem prévia comunicação. Enquadramento jurídico-penal dos factos
CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS AGRAVADO. CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. FALTA DE EXAME CRÍTICO DAS PROVAS. REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO. IMPUGNAÇÃO ALARGADA DA MATÉRIA DE FACTO. CONDENAÇÃO POR FACTOS DIVERSOS DOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
RECURSO CRIMINAL Nº 102/19.0JACBR. C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 09-04-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 4
Legislação: ARTS. 77º, Nº 2, 170º, 171º E 177º, Nº1 B), TODOS DO C. PENAL; ARTºS. 1º F), 358º, 359º, 400, Nº 2, 410º, 412.º, N.ºS 3 E 4, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Sumário:
1 – A diferença entre o que constava na acusação e o que passou a constar da factualidade provada, traduziu-se em modificar a perturbação que resultou do comportamento do arguido para o livre desenvolvimento da sexualidade da vítima narrado na acusação, passando a afirmar-se que o comportamento do arguido perturbou a liberdade e autodeterminação sexual da vítima e o desenvolvimento da respetiva personalidade no domínio sexual.
2 – Trata-se de uma modificação apenas semântica relativamente ao comportamento do arguido no contexto fático que lhe vem imputado na acusação, pois a expressão perturbar e impedir o livre desenvolvimento da sexualidade da vítima/ofendida, comporta, por mais ampla, a liberdade e autodeterminação sexual da mesma e o desenvolvimento da respetiva personalidade no domínio sexual, como consta da factualidade provada, sem qualquer relevância para efeitos do elemento subjetivo do crime de abuso sexual de crianças imputado na acusação ao arguido, inferido do comportamento deste que nela se descreve.
3 – O que não contempla qualquer alteração em relação à acusação, substancial ou não substancial, que carecesse de prévia comunicação ao arguido.
4 – Também as restantes alegadas e contestadas alterações de facto levadas a cabo pelo Tribunal a quo não podem ser tidas como substanciais – por não levarem a imputação ao arguido de um crime diverso ou à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (artºs. 1º f) e 359º do CPP) – nem como não substanciais, por não terem (o) relevo (pretendido) para a decisão da causa (artº. 358º nº 1 do CP).”
5 – A atuação do arguido visando a menor que, à data, tinha 12 anos de idade e integrava o agregado do arguido, dependendo este, do ponto de vista económico, essencialmente do arguido, traduzida em aproximar-se da mesma, quando se encontravam apenas os dois e sem qualquer pessoa nas proximidades, apalpando-lhe os seios por cima da roupa, não poderá deixar de consubstanciar um ato sexual de relevo.
6 – A atuação do arguido, traduzida no envio de mensagens escritas à visada, à data já com 16 anos de idade, cujo conteúdo “ logo posso tocar uma a pensar em ti, se deixares ganhas € 10” e “ não ficas chateada comigo se eu tocar a pensar em ti?”, integra-se na tipificação legal prevista no art. 170º do C. Penal.
7 – Para o preenchimento do crime de importunação sexual não se exige, o envolvimento da vítima na execução corporal de um ato sexual, ao contrário do que se passa com outros crimes de natureza sexual, bastando-se o mesmo com a receção, por parte desta, de atos comunicativos de teor sexual, com ressonância ético-social censurável com aptidão para importunar a vítima.
8 – A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
9 – Na fase do recurso, a demonstração da sua violação passa pela respetiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, isto é, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, ou seja, tem que resultar da fundamentação desta, de forma clara, que o juiz, pese embora tenha permanecido na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou que, sendo favorável ao agente, o considerou não provado.
10 – Porém, a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que qualquer recorrente entenda que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.