Competência internacional. Conhecimento oficioso. Normas de conflitos. Prevalência da regulamentação da UE sobre a interna. Estado do domicílio do requerido. Lugar do cumprimento da obrigação. Contrato de compra e venda. Lugar da entrega dos bens
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. CONHECIMENTO OFICIOSO. NORMAS DE CONFLITOS. PREVALÊNCIA DA REGULAMENTAÇÃO DA UE SOBRE A INTERNA. ESTADO DO DOMICÍLIO DO REQUERIDO. LUGAR DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. LUGAR DA ENTREGA DOS BENS
APELAÇÃO Nº 39365/24.1YIPRT.C1
Relator: ANABELA MARQUES FERREIRA
Data do Acórdão: 29-04-2025
Tribunal: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Legislação: ARTIGOS 608.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 288.º DO TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA, 4.º, N.º 1, 7.º, N.º 1, AL.ª A), E 62.º, N.º 1, DO REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012, DE 12-12.
Sumário:
I – Atento o disposto no art.º 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do Código de Processo Civil, o Tribunal de recurso pode decidir de questões que sejam de conhecimento oficioso, ainda que não alegadas pelas partes; por maioria de razão, poderá conhecer de idênticas questões – como a competência internacional –, ainda que só invocadas em sede de recurso.
II – No que diz respeito às normas de conflitos, há que ter em conta que coexistem no ordenamento jurídico português duas regulamentações diferentes, a interna e a europeia, sendo que, nos casos em que esta segunda seja aplicável, nos termos do disposto no artº 288º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, prevalece sobre o direito nacional.
III – No que toca à residência do Requerido – artº 4º, nº 1, do Regulamento (UE) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro -, a regra europeia vai no sentido de que, como princípio geral, um cidadão de um Estado Membro deve ser demandado no Estado do seu domicílio, independentemente da sua nacionalidade, sendo que dispõe o Regulamento, no seu artº 62º, nº 1, que, para determinar qual o seu domicílio, deve ter-se em conta a legislação nacional.
IV – No que concerne ao lugar do cumprimento da obrigação – artº 7º, nº 1, al. a) – o Regulamento estabelece a distinção entre o contrato de compra e venda e o contrato de prestação de serviços, tendo-se como elemento de fixação da competência, respetivamente, o lugar onde os bens foram ou devam ser entregues ou o lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados.
V – Seguindo o entendimento que vem sendo a ser sufragado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Supremo Tribunal de Justiça, interpretando estes conceitos à luz do próprio direito europeu, tendo os bens sido fabricados em Portugal, destinando-se a ser entregues em França, o contrato em apreço deve ser qualificado, para efeitos da aplicação do Regulamento (UE) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro, como um contrato de compra e venda, tendo como elemento de conexão para estabelecimento da competência internacional, o lugar da entrega dos bens.
VI – Sendo irrelevante que os bens tenham sido entregues em local diferente do acordado, uma vez que os pressupostos processuais são aferidos de acordo com a relação material controvertida tal como configurada pelo Autor, na medida em que só esta pode orientar o julgador no sentido de conhecer ou não do mérito da causa.
(Sumário elaborado pela Relatora)