Testamento. Exigências de forma. Capacidade do testador. Doença. Ónus da prova. Invalidade
TESTAMENTO. EXIGÊNCIAS DE FORMA. CAPACIDADE DO TESTADOR. DOENÇA. ÓNUS DA PROVA. INVALIDADE
APELAÇÃO Nº 1601/22.1T8CVL.C1
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data do Acórdão: 18-06-2024
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Legislação: ARTIGOS 342.º, N.º 1, 2180.º, 2182.º, N.º 2, 2183.º E 2199.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – O testamento caracteriza-se por ser um negócio jurídico unilateral, mortis causa, não receptício, pessoal, individual, livremente revogável e formal. Por esse motivo deve ser o testador a expressar a sua vontade e “a expressão da vontade da pessoa tem de ser integral” sem prejuízo, naturalmente, das excepções expressamente consagradas nos artigos 2182º, n.º 2, e 2183º, do Código Civil.
II – A exigência de forma para a celebração do testamento visa o reforço das condições para que a declaração corresponda à vontade real do testador, surgindo o formalismo “como garante de expressão livre e última do testador”. A intenção fundamental da lei é a de garantir o carácter pessoal do testamento, não a de reforçar a exigência de clareza ou inequivocidade da declaração – o modo como o testador manifesta ou expressa a sua vontade.
III – Para a validade do testamento é necessário que o testador tenha expressado a sua vontade por palavras suas, exigindo, ainda, que a vontade seja claramente manifestada, ou seja, que não fiquem dúvidas sobre aquilo que o testador manifestou querer – o que não se confunde com dúvidas sobre o teor da vontade manifestada, as quais são resolvidas por via de interpretação do testamento mas, em regra, não afectam a sua validade.
IV – É indispensável que o testador tenha a “consciência do seu acto e dos efeitos deste; que tenha uma ideia justa da extensão do bem de que dispõe; que esteja em estado de compreender e de apreciar os direitos que vão nascer da sua disposição de ultima vontade, e, especialmente, com relação a este ultimo objecto, que nenhuma perturbação de espírito envenene as suas afeições, ou perverta o seu sentimento do justo, ou ponha obstáculo ao exercício das suas faculdades naturais; que nenhum delírio influencie a sua vontade, quando dispõe da sua fortuna, ou o arraste a fazer um uso dela que não faria, se estivesse em plena integridade do seu espírito” – ler o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2013, acessível em www.dgsi.pt.
V – O ónus da prova dos factos reveladores de uma situação de incapacidade de facto do testador, no momento da feitura do testamento, para efeitos do artigo 2199.º, recai sobre o interessado na anulação do testamento em virtude do estatuído no artigo 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil. A capacidade testamentária activa não é afectada por qualquer deficiência cerebral ou mental do testador, ao tempo da feitura do testamento, mas tão-somente por anomalias daquela natureza que eliminem a vontade e o entendimento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1971, in Boletim do Ministério da Justiça nº 212, Ano 1972, pág. 257.
VI – Não é qualquer psicopatia que tira ao indivíduo a possibilidade de dispor dos seus bens: a doença mental há-de obnubilar-lhe a inteligência ou enfraquecer-lhe de tal jeito a vontade, que possa afirmar-se que não entendeu o que disse ou, em condições normais, não quereria o que declarou – Acórdão da Relação do Porto de 14-3-73, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 226, pág. 279.
VII – O testamento só pode ser anulado quando o testador não estiver em condições de entender o sentido daquilo que declare no testamento ou não tenha o livre exercício da sua vontade. A existência de doenças, tais como a senilidade e a arteriosclerose não é, por si só, suficiente para afastar a capacidade testamentária activa, tornando-se necessário, para tal, que, ao tempo da feitura do testamento, o testador não tenha podido entender a sua declaração constante do mesmo testamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-1991, in www.dgsi.pt.
(Sumário elaborado pelo Relator)