Suspensão de deliberações sociais. Anulação de deliberação. Renovação da deliberação. Sanabilidade do vício. Direito de amortização. Interrupção da caducidade. Abuso do direito. Inversão do contencioso em recurso

SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS. ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO. RENOVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO. SANABILIDADE DO VÍCIO. DIREITO DE AMORTIZAÇÃO. INTERRUPÇÃO DA CADUCIDADE. ABUSO DO DIREITO. INVERSÃO DO CONTENCIOSO EM RECURSO

APELAÇÃO Nº  1279/22.2T8LRA.C1
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Data do Acórdão: 13-12-2022
Tribunal: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Legislação: ARTIGOS 58.º, 62.º, 95.º, 105.º E 347.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, 329.º, 331.º, 332.º E 334.º DO CÓDIGO CIVIL, 380.º, N.º 1, 381.º E 370.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Sumário:

I – A circunstância de a anterior deliberação ter sido declarada anulada por decisão com trânsito em julgado, não obsta, por si, à emissão de nova deliberação renovando ou reproduzindo o conteúdo da anterior mas, agora, sem os vícios de que a mesma se viu afetada e que levaram à declaração de anulação.
II – As deliberações anuláveis, são passíveis de renovação sem qualquer restrição quanto às eventuais causas da anulabilidade, exigindo-se, tão só, que a deliberação renovatória “não enferme do vício precedente”.
III – Em princípio, só um ato válido tem potencialidade para interromper a caducidade.
IV – A deliberação anulável produz os efeitos para que tende até ser decretada anulada ou venha a ser revogada, nomeadamente o de interromper a caducidade.
V – Decretada a anulação da deliberação social de amortização das ações com base no arresto tomada na assembleia geral de 15-05-2019, extinguiram-se retroativamente todos os efeitos pela mesma até aí produzidos, inclusivamente, o de impedir a caducidade do direito que aí se pretendeu exercitar.
VI – À data das deliberações renovatórias de 22 de janeiro de 2021 e de 16 de março de 2022, decorrido mais de um ano desde a ocorrência do ato que fundamenta a amortização – 2 de julho de 2019 – o direito de amortização com tal fundamento encontrava-se extinto por caducidade.
VII – No caso de amortização compulsiva de ações a que se reporta o artigo 347º do CSC, o efeito próprio e direto da deliberação de amortização das ações é a extinção das ações, do qual deriva a constituição de um direito de crédito destinado a compensar o acionista pela sua perda, sendo esta contrapartida um elemento externo à deliberação de amortização.
VIII – A circunstância de não ter sido facultado ao acionista o relatório do ROC previsto no art. 105º do CSC, em data prévia à assembleia onde se delibera a amortização das respetivas ações, não acarreta a anulabilidade desta.
IX – O dano que, para o titular da quota ou ação amortizada, deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação que a aprovou, é o dano resultante da negação ao respetivo titular, do exercício dos direitos sociais até ao momento da sentença, dano este que é de ter-se por considerável.
X – Não se pode sustentar a existência de abuso de direito na invocação da caducidade do direito de amortizar as ações, uma vez que se pode afirmar a existência de negligência da sociedade na tomada dos procedimentos necessários à emissão de nova deliberação, a partir da data em que o direito à amortização se constituiu.
XI – Não se podendo afirmar um princípio geral de proibição de comportamento contraditório, só será de considerar ilegítimo se for suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança.
XII – A ponderação de interesses entre o prejuízo derivado para o requerente – com a execução da deliberação de amortização da totalidade das suas ações na sociedade requerida, com fundamento no facto de as mesmas terem sido objeto de arresto –, e o prejuízo que da suspensão de tal deliberação possa acarretar à sociedade, terá de se mover dentro do ato fundamentador do direito que se exerceu com a deliberação impugnada, ou seja, relevariam eventuais danos derivados da circunstância de 50% das ações da sociedade terem sido objeto de arresto.
XIII – A concessão de prazo pelo tribunal, para a tomada de uma nova deliberação sem os vícios imputados à anterior, pressupõe a sanabilidade do vício que afeta a deliberação, ou seja, a sua “renovabilidade”.
XIV – Sob pena de se eliminar um grau de recurso, a inversão do contencioso não pode ser decretada em sede de recurso.

(Sumário elaborado pela Relatora)

 

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