Homicídio por negligência. Condução sob o efeito de álcool. Imputação objectiva do resultado

HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA. CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL. IMPUTAÇÃO OBJECTIVA DO RESULTADO

RECURSO CRIMINAL Nº 405/10.9GBCNT.C1
Relator: JORGE JACOB
Data do Acordão: 05-06-2013
Tribunal: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE 

Legislação: ARTIGOS 412.º, 428.º E 431.º, DO CPP; ARTIGO 137.º, N.º 1, DO CP
Sumário:

  1. Na reapreciação da matéria de facto dada como provada e/ou não provada na sentença recorrida, o tribunal da relação não está vinculado nem pelos juízos que fundamentaram a decisão nem pelos argumentos em que se estriba a análise do recorrente.
  2. Precisamente porque o sistema processual penal não é de verdade formal, o tribunal da relação, uma vez solicitada a reapreciação da prova, terá de lançar mão de todos os meios ao seu alcance para formular um definitivo juízo relativo à matéria de facto fixada, podendo mesmo alterá-la, verificados que sejam os pertinentes pressupostos.
  3. O estabelecimento de relação causal (adequada) entre uma taxa de álcool no sangue e um evento estradal civil ou criminalmente relevante não opera automaticamente; antes terá de ser afirmado através da prova produzida em cada caso concreto.
  4. Perante os seguintes factos provados: – a viatura automóvel tripulada pelo arguido invadiu a parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário; – no local, a estrada, que estava seca, configura-se em curva para a direita, em ligeira rampa descendente; – quando ocupava a parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, o veículo conduzido pelo arguido entrou em derrapagem, tendo deslizado sobre as rodas do lado esquerdo em curva para a direita, percorrendo, assim, 100,7 metros até sair do asfalto, e ainda 14,8 metros no campo contíguo à via, vindo a imobilizar-se apenas depois de ter embatido numa oliveira; – o descrito acontecimento ocorreu durante a madrugada, cerca das 04h45m, numa ocasião em que não havia nenhum trânsito na faixa de rodagem contrária à do arguido; – os ocupantes da viatura tinham ingerido antes do evento, durante cerca de 4 horas, diversas cervejas; – às 07h05m, mais de duas horas e meia após o termo do período durante o qual ingeriu a dita bebida alcoólica, o arguido (ainda) apresentava uma TAS de 0,70 g/l; deles decorrem duas consecutivas demonstrações da incapacidade de o arguido controlar o veículo; a primeira, quando invade a “contramão”; a segunda, quando tenta regressar à sua “mão” de trânsito.
  5. Conhecidas as consequências do exercício da condução sob o efeito do álcool, negar a influência desse elemento na causalidade subjacente ao acidente em causa equivale a negar o óbvio. Esta conclusão atinge-se por presunção judicial, assente nos factos objectivamente provados e amparada no conhecimento (científico) sobre a influência negativa do álcool na condução automóvel, sem que se verifiquem qualquer “salto” lógico ou premissas indemonstradas.
  6. Havendo a registar, em resultado do acidente, a morte de um dos ocupantes da viatura, o arguido, ao actuar nos termos descritos, incorreu na autoria de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do CP.

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