Tráfico de estupefacientes. Recurso. Matéria de facto. In dúbio pro reo
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. RECURSO. MATÉRIA DE FACTO. IN DÚBIO PRO REO
RECURSO PENAL Nº 1058/08.0TACBR.C1
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Data do Acordão: 25-03-2010
Tribunal: COIMBRA
Legislação: 32º DA CRP, 21º E 25 º DA LEI 15/93 DE 22 DE JANEIRO , 127º, 412ºE 428º DO CPP
Sumário:
- No crime de tráfico de estupefacientes, crime de perigo abstracto, não se exige para preenchimento do tipo o desenvolvimento da globalidade da acção projectada pelo agente. Porém, a consumação exige que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver”, produto estupefaciente, não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
- A possibilidade de sindicância da matéria de facto quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no n.º 4 do preceito acima referido.
- O tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
- Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
- Da conjugação de provas materiais, concretizadas e objectivadas, com outras indirectas e de cariz meramente indiciário, pode o tribunal formular uma conclusão em termos de determinar o modo como o pedaço da realidade em equação efectivamente sucedeu, sua motivação e intencionalidade e quem são os seus agentes, sem que, com isso, sejam postergadas as regras aplicáveis ao processo subjectivo de formação da convicção do julgador, por um lado, e as garantias constitucionais do arguido, por outro.
- O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.