Reconstituição do facto. Prova pericial. In dubio pro reo. Pena de substituição
RECONSTITUIÇÃO DO FACTO. PROVA PERICIAL. IN DUBIO PRO REO. PENA DE SUBSTITUIÇÃO
RECURSO CRIMINAL Nº 168/09.0TATND.C2
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acordão: 01-07-2015
Tribunal: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – J2
Legislação: ARTS. 150.º, 151.º, 152.º, 163.º, DO CPP; ARTS. 40.º, 70.º, 71.º, 143.º, 144.º, 145.º E 147.º, DO CP; ART. 32.º, N.º 2, DA CRP
Sumário:
- Quando a investigação considera necessário confirmar a forma como um determinado facto ocorreu, procede-se à sua repetição, tentando nesta reproduzir as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que se supõe que aquele aconteceu, em ordem à validação probatória ou não, da descrição feita pelo sujeito ou interveniente processual que está na sua origem.
- Quando na reconstituição do facto participam sujeitos ou intervenientes processuais, v.g., o arguido, os eventuais contributos individuais por este prestados – informações, sugestões e declarações – não se autonomizam, transformando-se em declarações de arguido.
- A perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 197), cuja utilização é recomendada sempre que a investigação seja confrontada com obstáculos de apreensão ou de apreciação de factos não removíveis através dos procedimentos e meios de análise de que normalmente dispõe. No fundo, a prova pericial permite ao juiz suprir a sua falta de específicos conhecimentos científicos ou artísticos, auxiliando-o na apreensão realidades não directamente captáveis pelos sentidos.
- A autópsia médico-legal – que tem lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada (art. 18º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto) – é uma perícia tanatológica. Como tal, está sujeita, além do mais, ao regime do art. 163.º do C. Processo Penal, pelo que, o juízo técnico ou científico que lhe é inerente se presume subtraído à livre apreciação do julgador.
- O juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos.
- Quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, este decide livre de qualquer restrição probatória e portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde deverá ter na devida conta o pro reo (cfr. Acs. do STJ de 5 de Novembro de 1998, CJ, ASTJ, III, pág. 210 e de 27 de Abril de 2011, proc. nº 693/09.3JABRG.P2.S1, e da R. do Porto de 27 de Janeiro de 2010, proc. nº 45/06.7PIPRT.P1, ambos in, www.dgsi.pt).
- O relatório pericial, parecer e esclarecimentos da perita médica, ao afirmar, por um lado, a impossibilidade de determinação da causa da morte da vítima, por insuficiência de elementos seguros e concretos, e ao admitir, como possibilidade ou hipótese, as duas ‘causas’ apontadas, a prova pericial tornou-se inconclusiva.
- Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
- Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
- Não se tendo provado que a arguida, no referido circunstancialismo, provocou à vítima lesões que lhe causaram perigo para a vida, nem que ao actuar como actuou, agiu com o propósito de causar tal perigo, não estão verificados os elementos, objectivo e subjectivo, que conduziam ao preenchimento do tipo agravado do art. 144.º, d), do C. Penal.
- Provado que está que a arguida, ao actuar como actuou, sabia que a vítima era pessoa particularmente indefesa em razão da idade, e porque a agressão a idosos, por quem não tem tal qualidade, em circunstâncias como as apuradas nos autos, revela especial censurabilidade, consideramos preenchida a previsão do art. 145.º, n.º 1, a), do C. Penal.
- Tudo ponderado, porque as circunstâncias agravantes em muito sobrelevam a circunstância atenuante, porque são elevadas as exigências de prevenção geral positiva e porque não passam despercebidas as de prevenção especial, considera-se adequada e perfeitamente suportada pela culpa da arguida a pena de dois anos de prisão [moldura de prisão até 4 anos].
- O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento da suspensão da execução da pena de prisão, parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
- A dificuldade de formulação da prognose favorável, por um lado, e as elevadas exigências de prevenção geral de integração, por outro, impedem a aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão.