Rapto internacional de crianças. Procedimento especial. Deslocação ou retenção ilícita. Residência habitual. Vontade do menor. Fundamentos de recusa do regresso
RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. PROCEDIMENTO ESPECIAL. DESLOCAÇÃO OU RETENÇÃO ILÍCITA. RESIDÊNCIA HABITUAL. VONTADE DO MENOR. FUNDAMENTOS DE RECUSA DO REGRESSO
APELAÇÃO Nº 512/24.0T8FIG.C1
Relator: CRISTINA NEVES
Data do Acórdão: 10-09-2024
Tribunal: JUÍZO FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 3.º, 13.º, AL.ªS A) E B), E §2, DA CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE OS ASPETOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, DE 25-10-1980, E 9.º DO REGULAMENTO UE N.º 2019/1111, DE 25-06-2019
Sumário:
I – O processo especial instituído pelo artº 3 da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, que entrou em vigor em Portugal a 1 de Dezembro de 1983 e no artº 24 e segs do Regulamento (UE) nº 2019/1111, de 25 de Junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, constitui um procedimento especial que se destina a assegurar o rápido regresso dos menores ao Estado do seu domicílio habitual, quando se verifique a sua deslocação ou retenção ilícitas.
II – A finalidade presente em ambos os diplomas consiste em evitar situações de auto-tutela e de criação de situações de facto e em que o critério a respeitar consiste sempre na defesa do superior interesse da criança.
III – A verificação da deslocação ou a retenção de uma criança, só é considerada ilícita, nos termos do artº 3 da Convenção de Haia e 9 do Regulamento UE nº 2019/1111, quando se verifiquem dois pressupostos:
– a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção, direito que pode resultar de um efeito ex lege, de uma decisão judicial ou administrativa ou de acordo de custódia vigente segundo o Direito do Estado de residência habitual;
– que este direito estivesse a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
IV – Tendo o progenitor deslocado o menor para Portugal, retirando-o pela força à progenitora, após decisão transitada em julgado, proferida no Estado da residência habitual da criança, que atribuíra a guarda à mãe e fixara a sua residência naquele Estado, verificam-se os requisitos previstos no artº 3 da Convenção de Haia de 1980.
V – Para aferição do critério de residência habitual do menor e dos fundamentos para recusa do seu regresso ao país de origem, é irrelevante a sua permanência com o progenitor em território nacional, por um período de seis meses – tendo este menor, com 8 anos, nascido e residido até à sua deslocação ilícita, no Luxemburgo – por não verificados os requisitos exigidos pelo artº 9 do Regulamento (EU) 2019/1111 de 25 de Junho e não constituir impedimento ao regresso do menor conforme decorre do artº 13, al. a), da Convenção de Haia de 1980.
VI – A vontade manifestada por menor de oito anos, de permanecer a residir com o progenitor – num caso em que o progenitor impediu, durante quase dois anos, todos os contactos do menor com a progenitora e promoveu a alienação parental da progenitora junto do filho comum – não é por si só determinante para impedir o regresso do menor ao seu país de residência habitual (artº 13 §2 da Convenção de Haia de 1980), por este não possuir nem a idade, nem a maturidade necessárias e a sua “vontade” estar viciada pelos actos do progenitor raptor.
VII – O regresso de um menor ilicitamente deslocado para outro país pelo progenitor que não tem a guarda, apenas pode ser excepcionalmente recusado, ao abrigo do artº 13, al. b) da Convenção de Haia de 1980, quando da matéria de facto resultar que a execução dessa medida é susceptível de criar risco grave de violação do interesse da criança e se revelar, em concreto, mais prejudicial para a criança do que a manutenção da situação ilícita criada pelo progenitor raptor.
(Sumário elaborado pela Relatora)