Numeração dos factos julgados provados e não provados. Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão impugnação da decisão da matéria de facto. Imediação e a oralidade. Prova indirecta ou indiciária. Factos do foro interno e psicológico. Cancelamento definitivo do registo criminal. Princípio in dubio pro reo
NUMERAÇÃO DOS FACTOS JULGADOS PROVADOS E NÃO PROVADOS. CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO OU ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO. IMEDIAÇÃO E A ORALIDADE. PROVA INDIRECTA OU INDICIÁRIA. FACTOS DO FORO INTERNO E PSICOLÓGICO. CANCELAMENTO DEFINITIVO DO REGISTO CRIMINAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
RECURSO CRIMINAL Nº 56/13.6GBCNT.C2
Relator: HELENA BOLIEIRO
Data do Acórdão: 24-05-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE
Legislação: ARTIGOS 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), 410.º, N.º 2, ALÍNEA B), 412.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 11.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), DA LEI N.º 37/2015, DE 5 DE MAIO
Sumário:
I – A omissão de numeração do elenco factual da sentença não constitui nulidade por insuficiente fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, não revestindo a expressão “enumeração”, contida naquele primeiro normativo, um sentido e alcance que imponham tal exigência.
II – As boas práticas aconselham a que se proceda a tal numeração, por permitir uma melhor e mais fácil referenciação para o conteúdo factual da decisão, evitando a prática de actos inúteis, como seja a reprodução do facto ou factos a que se refere qualquer análise que deles se faça, quer na própria decisão onde se procedeu à sua indicação, quer noutras peças processuais subsequentes, mormente as que se produzem em sede recursória.
III – O dever de fundamentação não impõe ao julgador que proceda a uma relacionação exaustiva de cada um dos meios de prova em que se baseou para considerar provado cada um dos factos que assim considerou, bastando que a indicação e exame crítico da prova dê a conhecer com suficiência o percurso lógico e racional que efectuou em sede da sua apreciação e valoração.
IV – A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão só conduz à verificação do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal quando não for suprível pelo tribunal ad quem, ou seja, quando a contrariedade detectada se revelar inultrapassável e, por conseguinte, insanável.
V – A chamada prova indirecta ou indiciária pressupõe um facto demonstrado através de prova directa, que permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não directamente demonstrado, por via de um procedimento lógico de indução apoiado nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que determinados factos são a consequência de outros, tendo sempre presente que a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indirecta pressupõe uma consistência apta a validar a inferência efectuada, levando fundadamente a um patamar de convencimento para além de toda a dúvida razoável e racionalmente sustentado.
VI – Salvo quando há confissão do agente, os factos do foro interno e psicológico são insusceptíveis de directa apreensão, pelo que, em regra, a sua sustentação probatória se obtém por via de prova indirecta, ou seja, extraem-se de factos do foro externo ou objectivo, em termos de os mesmos só serem racionalmente explicáveis como consequência normal e típica do correspondente propósito, constituindo, pois, uma sua manifestação exterior concludente, da qual é possível inferir a indicada demonstração indirecta.
VII – Ponto é que a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indirecta seja dotada de consistência apta a validar a inferência efectuada, o que supõe que os factos do foro externo ou objectivo relativos à actuação do arguido que, na decisão, foram dados como provados, conjugados com as regras da experiência comum, constituam base factual directa bastante para concluir no sentido da demonstração, por via indirecta, da presente matéria relativa ao foro interno do agente.
VIII – A determinação do cancelamento no registo criminal da decisão que aplicou uma pena, decorrido determinado período de tempo sobre a sua extinção sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por qualquer crime, conduz necessariamente ao cancelamento no registo criminal da decisão que a aplicou, levando a que as decisões canceladas se considerem extintas no plano jurídico e não produzam, assim, quaisquer efeitos a esse nível, nomeadamente no que se refere à medida da pena.
IX – Em sede de recurso, o uso do princípio in dubio pro reo afere-se pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo que quando daí se extrair que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido, se impõe concluir que ocorreu violação daquele princípio.