Homicídio qualificado. Impugnação da decisão de facto
HOMICÍDIO QUALIFICADO IMPUGNAÇÃO DECISÃO DE FACTO PRINCIPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA REAPRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL DE RECURSO LIMITES À REAPRECIAÇÃO ESPECIAL CENSURABILIDADE E PERVERSIDADE EXEMPLOS-PADRÃO
RECURSO CRIMINAL N.º105/06.4GCPMS.C1
Relator: DR. VASQUES OSÓRIO
Data do Acordão: 30/04/2008
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PORTO DE MÓS
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º E 355.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ARTIGO 132.º, N.º 2 DO CÓDIGO PENAL.
Sumário:
- O princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, é um princípio de aplicação vinculada por exigir que o julgador ao dar como provado um determinado enunciado fáctico, justifique o processo de decisão mediante uma apreciação crítica e racional das provas que serviram para formar a sua convicção de modo a evidenciar que, das provas produzidas conjugadas com as regras da experiência e com os métodos da lógica indutiva, resulta uma convicção ancorada em critérios lógico-racionais que se imponha aos destinatários da decisão como sinal de uma verdade objectivada e motivada.
- Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).
- O recurso em matéria de facto perante os tribunais da Relação não se destina a realizar um novo julgamento, antes constitui um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, possibilitando “uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa decisão (cfr. Ac. do STJ de 19/12/2007, processo n.º 07P4203, em www.dgsi.pt”
- Porque ao tribunal de recurso está vedada a imediação e a oralidade que permitem ao julgador da 1ª instância percepcionar as reacções humanas e analisar psicologicamente os traços salientes de como se comporta cada testemunha ou declarante conferindo-lhe, deste modo, credibilidade ou afastando o seus depoimentos, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador fundada naquela prova, quando for feita a demonstração de que aquela opção viola as regras da experiência comum.
- A qualificação do homicídio no C. Penal é efectuada através da combinação de uma cláusula genérica de agravação, prevista no nº 1 do art. 132º – a especial censurabilidade ou perversidade do agente ou seja, um especial tipo de culpa – com a técnica dos exemplos-padrão ou exemplos típicos, enunciados no nº 2 do mesmo artigo.
- Os exemplos padrão indiciam e explicitam o sentido da cláusula geral pelo que a verificação de um exemplo-padrão não significa, necessariamente, a realização daquele especial tipo de culpa e consequente qualificação do homicídio
- Do mesmo passo que a não verificação de qualquer exemplo-padrão não impede a qualificação do homicídio o que é inculcado pela expressão “entre outras” inserta no nº 2 do art. 132º, indicativa de que não estamos perante um elenco taxativo.
- O que se exige é a verificação, no caso concreto, de elementos substancialmente análogos aos tipicamente descritos ou seja, que embora não expressamente previstos na lei, correspondam ao sentido, desvalor e gravidade de um exemplo-padrão (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 26, Prof. Augusto Silva Dias, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2ª Ed., AAFDL, 2007, 25 e ss., e Teresa Serra, Homicídio Qualificado, 73). Nestas condições, porque se mostra plenamente respeitado o princípio da legalidade, é admissível o homicídio qualificado atípico.
- A qualificação do homicídio baseia-se num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade ou perversidade do agente e prende-se com a atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas. X. – Enquanto que a especial perversidade se reporta às condutas que reflectem no facto concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., 29), a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativamente ao facto (cfr. Teresa Serra, ob. cit., 64).