Inexistência de acusação. Inconstitucionalidade. Direito de defesa. Busca. Escuta telefónica. Vícios. In dubio pro reo
INEXISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO DE DEFESA. BUSCA. ESCUTA TELEFÓNICA. VÍCIOS. IN DUBIO PRO REO
RECURSO CRIMINAL Nº 213/07.4TAPBL.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acordão: 03-02-2016
Tribunal: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL)
Legislação: ARTS. 16.º, 26.º, Nº 1, 32.º, NºS 1 E 5 DA CRP; ARTS. 61.º, Nº 1, AL. C); 140.º A 144.º; 177.º, Nº 2; 187.º A 190.º; 269.º; 355.º, 356.º, 410.º, Nº 2, 412.º, NºS 3 E 4, DO CPP; ARTS. 169.º E 170.º, DO CP
Sumário:
- A categoria da inexistência, referida aos actos processuais penais, não se encontra prevista no CPP.
- A inexistência em sentido jurídico de um acto processual significa que este existe na vida real mas é absolutamente irrelevante face ao direito processual, por lhe faltar um requisito exigido para o reconhecimento da sua existência jurídica.
- Não se percebe como possa a recorrente invocar a violação do seu direito de defesa, quando, por razões que só a si dizem respeito, não exercitou os mecanismos processuais colocados pela lei ao seu dispor para tal efeito, não invocou na contestação qualquer vício, nulidade ou violação do direito de defesa, e optou por não comparecer em juízo.
- A busca é um meio de obtenção de prova que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, quando existam indícios de que se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174.º, n.º 2, do CPP).
- Por não terem regimes legais exactamente coincidentes, há que distinguir entre busca domiciliária e busca não domiciliária.
- Traduzindo-se a busca numa restrição à inviolabilidade do domicílio assegurada pelo art. 34.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, certo é que o Tribunal Constitucional tem adoptado um conceito amplo de domicilio, definindo-o habitação humana ou seja, todo o espaço fechado e vedado a estranhos, onde de forma recatada e livre se desenvolve o acervo de condutas e procedimentos caracterizadores da vida privada e familiar.
- O princípio in dubio pro reo, enquanto corolário do princípio constitucional da presunção da inocência, responde à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido favoravelmente ao arguido. Não se destina a solucionar qualquer dúvida sobre a validade ou invalidade de acto processual e, muito menos, qualquer dúvida sobre a interpretação e/ou aplicação do direito.
- Deve realçar-se que a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas, a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
- A escuta telefónica consiste na captação, feita por terceiro – interceptor –, de uma comunicação telefónica entre pessoas, por meio de processo mecânico e electrónico, sem conhecimento de, pelo menos, uma dessas.
- Numa outra perspectiva, colocando o acento tónico nos seus requisitos legais, a escuta telefónica pode definir-se como um meio de obtenção de prova que visa recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, que depende de prévia autorização do juiz de instrução, a ser dada em decisão devidamente fundamentada e definidora das condições em que o OPC realizará a intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas determinadas.
- A escuta telefónica, enquanto meio de obtenção de prova, tem carácter excepcional, pela grande danosidade social que implica ao invadir, de forma muito relevante, os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
- A escuta telefónica não pode ser autorizada para a obtenção de prova relativa a todo e qualquer crime, mas apenas para os crimes do catálogo isto é, os previstos no n.º 1 do art. 187.º do CPP.
- O nº 4 do art. 187.º do CPP contém a lista de quem pode ser alvo de escuta telefónica.
- É da exclusiva competência do juiz de instrução a autorização para a realização da escuta telefónica no inquérito, a requerimento do Ministério Público, através de despacho devidamente documentado.
- Em regra, a escuta telefónica autorizada para a investigação do crime ou dos crimes referidos na fundamentação do despacho de autorização, não pode servir para a investigação de outro ou de outros crimes.
- As conversações escutadas, levadas aos autos de transcrição, não podem ser consideradas declarações do arguido pois estas são, apenas e só, as prestadas nos termos do art. 140.º, 141.º, 143.º e 144.º do CPP e as únicas cuja leitura na audiência, a alínea b) do n.º 1 do art. 356.º do mesmo código interdita.
- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso].
- E existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341).
- O lenocínio simples tutela um outro bem jurídico, que não a liberdade e autodeterminação sexual e que se traduz numa certa concepção da vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com a intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição (Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, pág. 106).
- Assim, no n.º 1 do art. 169.º do CP censura-se o aproveitamento económico da prostituição feito por terceiro, não visando a incriminação a defesa da liberdade sexual da prostituta.
- Não estando em causa um bem jurídico eminentemente pessoal, um direito de personalidade, uma vez que, como vem provado, as condutas dos recorrentes, ainda que prolongadas no tempo, resultam de uma mesma resolução criminosa, há que concluir que praticaram um único crime de lenocínio simples.