Incidente de dispensa de dever de sigilo. Enriquecimento sem causa. Dever de cooperação. Segredo bancário. Conflito de direitos
INCIDENTE DE DISPENSA DE DEVER DE SIGILO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DEVER DE COOPERAÇÃO. SEGREDO BANCÁRIO. CONFLITO DE DIREITOS
LEVANTAMENTO DO DEVER DE SIGILO Nº 8426/23.5T8VNG-A.C1
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Data do Acórdão: 08-10-2024
Tribunal: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Legislação: ARTIGOS 20.º, N.ºS 1 E 5, 26.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO, 135.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E 417.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – O segredo bancário visa essencialmente a protecção do direito fundamental à reserva da vida privada, consagrado no art. 26.º, n.º 1, da CRP, cessando quando exista autorização do cliente na sua revelação (art. 79.°, n.° 1, do RGICSF).
II – O dever de sigilo profissional, incluindo o segredo bancário, pode ceder quando e na medida em que se mostre necessário para a salvaguarda de outros direitos, mormente os que se relacionam com o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva que esse direito tem em vista, nos termos do art. 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.
III – Segundo o art. 135.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi do art. 417.º, n.º 4, do CPC, a quebra do sigilo profissional poderá ser autorizada sempre que se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, tendo em conta a sua imprescindibilidade para a descoberta da verdade e a necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa.
IV – O incidente de dispensa do dever de sigilo bancário, suscitado junto do Tribunal da Relação, tem como pressuposto a demonstração de que o cliente da instituição bancária recusou a autorização para que fossem revelados os elementos pretendidos – art. 79.º, n.º 1, do RGICSF.
V – Havendo um conflito entre o direito ao segredo bancário, para salvaguarda do direito à privacidade da gestão do património do cliente, e o direito à realização da justiça, na óptica do direito à prova, a decisão para dirimir essa colisão de direitos terá de resultar de um juízo de ponderação e coordenação entre os mesmos, atendendo à situação concreta.
VI – Numa acção declarativa em que se debate uma situação de enriquecimento sem causa, relacionada com os movimentos de uma conta bancária de que a A. foi titular e que a R. geriu após aquela ter cessado essa co-titularidade, perante a recusa da R. em facultar a autorização para que sejam revelados o saldo, as movimentações e os dividendos dessa conta, é fundamental, para a realização da justiça e para a boa decisão da causa, a quebra do segredo bancário.
(Sumário elaborado pelo Relator)