Dever de fundamentação. Vício de contradição. Apreciação da prova. Perturbação da vida privada. Concurso de crimes. Crime continuado. Medida da pena

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. VÍCIO DE CONTRADIÇÃO. APRECIAÇÃO DA PROVA. PERTURBAÇÃO DA VIDA PRIVADA. CONCURSO DE CRIMES. CRIME CONTINUADO. MEDIDA DA PENA
RECURSO CRIMINAL Nº
811/12.4TACVL.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acordão: 01-06-2016
Tribunal: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DA COVILHÃ)
Legislação: ART. 205.º DA CRP; ARTS. 97.º, 127.º, 374.º, 379.º, 410.º E 412.º DO CPP, ARTS. 30.º, 40.º, 47.º, 70.º, 72.º E 190.º, DO CP
Sumário:

  1. Com este dever [dever de fundamentação das decisões judiciais] pretende-se assegurar a total transparência da decisão, através da plena compreensão dos juízos de facto e de direito que contém pelos seus destinatários directos, em primeira linha, e pela própria comunidade. Simultaneamente, por via dele, é assegurado o autocontrolo de quem proferiu a decisão e a fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.
  2. A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.
  3. No âmbito da revista alargada [comum designação do regime dos vícios da decisão] o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto [no sentido da reapreciação da prova], limitando a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento.
  4. O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada, numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada, numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto, ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão.
  5. A apreciação da prova é, nos termos da lei, tarefa exclusiva do julgador. Mas a livre convicção que a fundamenta não tem o sentido de o juiz a poder valorar conduzido por um convencimento exclusivamente subjectivo, pois ela não significa arbítrio ou decisão irracional, bem pelo contrário.
  6. A valoração da prova impõe ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.
  7. O crime de perturbação da vida privada previsto no n.º 2 do art. 190.º do CP, tutela os bens jurídicos vida privada, paz e sossego (Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2º Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 1005 e ss.).
  8. Realizando o agente a acção típica, telefonando para o telemóvel do ofendido, não pode ter-se como também praticado, através da mesma concreta conduta, um outro crime, agora em relação à ofendida, ainda que pudesse ser essa a intenção da arguida, sob pena de violação do princípio da tipicidade.
  9. A pedra angular do crime continuado é a considerável diminuição da culpa do agente, não obstante a pluralidade de resoluções criminosas que assumiu, e que torna injustificada e excessiva a aplicação do concurso efectivo de infracções.
  10. O crime de perturbação da vida privada é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. Não obstante a relativa sobreposição das circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, dadas as exigências de prevenção referidas, de média e baixa intensidade, afigura-se-nos que a pena de 80 dias de multa decretada pela 1ª instância para cada crime, situada um pouco acima do primeiro quarto das molduras abstractas aplicáveis, se crítica merece, será a da sua benevolência, pelo que são de manter as penas parcelares decretadas.

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