Dever de apresentação à insolvência. Qualificação da insolvência. Incumprimento reiterado de deveres. Início da impossibilidade de cumprir. Factos presuntivos. Situação pandémica. Contagem do prazo

DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA. QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA. INCUMPRIMENTO REITERADO DE DEVERES. INÍCIO DA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIR. FACTOS PRESUNTIVOS. SITUAÇÃO PANDÉMICA. CONTAGEM DO PRAZO

APELAÇÃO Nº 3937/22.2T8CBR-B.C1
Relator: HELENA MELO
Data do Acórdão: 10-07-2024
Tribunal: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 3.º, N.º 1, 18.º, N.º 3, 20.º, N.º 1, 83.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C), 2 E 3, E 186.º, N.º 2, DO CIRE, LEI N.º 1-A/2020, DE 19-03, E LEI N.º 31/2023, DE 04-07

 Sumário:

I – Para se determinar o significado e alcance da alínea i) do nº 2 do art. 186º do CIRE há que conciliar este preceito com o disposto no art. 83º do CIRE, nº 1, alínea a) e c) e nº 2.
II – Da conjugação destes dois preceitos, resulta claro que o que diferencia o campo de aplicação de cada um deles é o incumprimento reiterado dos deveres de apresentação e de colaboração.
III – Assim, enquanto uma violação esporádica e isolada destes deveres apenas pode ser objeto de livre apreciação por parte do juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa, segundo o disposto no nº 3 do citado art. 83º, já a violação reiterada dos mesmos deveres determina sempre a qualificação da insolvência como culposa nos termos da alínea i), do nº 2 do citado art. 186º.
IV – O art. 20º, nº 1 do CIRE estabelece factos presuntivos ou factos-índices da insolvência.
V – Na alínea g) do nº 1 do artº 20º está previsto, o incumprimento generalizado nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; e, iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respetiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua atividade ou tenha a sua sede ou residência.
VI – Essencial para que se verifique o facto índice é que se verifique o incumprimento generalizado dentro de uma das categorias de obrigações.
VII – Sobre o momento em que um devedor cai em situação de insolvência, não é fácil estabelecê-lo com precisão, e, por isso, o legislador, consciente desta dificuldade, enunciou, no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, uma pluralidade de factos que fazem presumir a impossibilidade do devedor cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.
VIII – Tendo a insolvente deixado de pagar as contribuições para a Segurança Social, relativas ao mês de julho de 2019, cujo pagamento deveria ter ocorrido até ao dia 20 de agosto de 2019, os seis meses de incumprimento verificaram-se a 20.02.2020, pelo que é a partir dessa data que se pode presumir a impossibilidade da devedora cumprir a generalidade das suas obrigações.
IX – Considerando o n.º 3 do artigo 18.º do CIRE que se presume de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos, pelo menos 3 meses sobre o incumprimento generalizado destas obrigações, tal verificou-se em 20.05.2020.
X – Daí que, combinando esta presunção de conhecimento com o n.º 1 do mesmo preceito, segundo o qual o devedor deve requerer a declaração da sua situação de insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da sua situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, o gerente da sociedade declarada insolvente tinha o dever de a apresentar à insolvência, até 20.06.2020.
XI – No entanto, o dever de apresentação à insolvência, por força da situação pandémica ocorrida, encontrou-se suspenso a partir de março de 2020, suspensão que só veio a terminar com a revogação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei n.º 31/2023, de 4 de julho, que entrou em vigor em 5 de julho de 2023.
XII – Consequentemente, quando se iniciou a contagem do prazo (05.07.2023), já a devedora tinha sido declarada em situação de insolvência (em 22.11.2022), pelo que não foi incumprido o dever de apresentação à insolvência.
(Sumário elaborado pela Relatora)

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