Crime de incêndio florestal. Legitimidade para a constituição de assistente. Crimes de acção popular
CRIME DE INCÊNDIO FLORESTAL. LEGITIMIDADE PARA A CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE. CRIMES DE ACÇÃO POPULAR
RECURSO CRIMINAL Nº 51/17.6GAPPS.C1
Relator: HELENA LAMAS
Data do Acórdão: 11-10-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 52.º, N.º 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGOS 113.º, N.º 1, E 274.º DO CÓDIGO PENAL; ARTIGOS 68.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.; ARTIGOS 1.º E 25.º DA LEI Nº 83/95, DE 31/8/DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL E DE ACÇÃO POPULAR
Sumário:
I – Os bens jurídicos tutelados pelo crime de incêndio florestal são a floresta, matas, pastagens, mato, formações vegetais espontâneas e terrenos agrícolas, bem como a vida, a integridade física e o património.
II – O crime de incêndio florestal é crime de perigo comum: de perigo, pois não se exige a lesão efectiva do bem jurídico tutelado; de perigo comum, por a conduta ser susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens jurídicos de distinta natureza.
III – Mesmo que nenhuma pessoa ou bem concreto sejam atingidos pelo perigo abstracto causado pela conduta típica, a pessoa que tenha sido colocada em perigo ou cujos bens tenham sido colocados em perigo aquando da prática deste tipo de crime pode constituir-se assistentes.
IV – Esta posição resulta da circunstância de a norma incriminadora antecipar a tutela penal para a fase do perigo, sinal de que visou proteger especialmente aquelas pessoas.
V – O crime de incêndio florestal não integra o elenco dos crimes previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do C.P.P., que prevê uma espécie ou forma de “acção popular penal” através da atribuição do direito à constituição de assistente a “qualquer pessoa”, expressão do exercício do direito de cidadania face à natureza e relevância comunitária dos valores universais da dignidade da pessoa humana, ou não individualizáveis em direitos próprios.
VI – O artigo 25.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, reconhece aos titulares do direito de acção popular o direito de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público por violação dos interesses previstos no seu artigo 1.º, que revistam natureza penal, e do direito de se constituírem assistentes no respectivo processo, nos termos do Código de Processo Penal.
VII – Resultando do seu estatuto que o “MAAVIM – Movimentos Associativos de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões” é uma associação de defesa dos interesses e direitos dos lesados pelos incêndios, ou seja, dos seus associados, e não uma associação de defesa ou preservação do ambiente, não se enquadra no disposto no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e, por isso, não pode, também por esta razão, constituir-se assistente.