Direito de retenção. Contrato promessa de compra e venda. Tradição da coisa. Reclamação de créditos. Insolvência
DIREITO DE RETENÇÃO. CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA. TRADIÇÃO DA COISA. RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS. INSOLVÊNCIA
APELAÇÃO Nº 511/10.0TBSEI-E.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 15-01-2013
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA – 1º JUÍZO
Legislação: ARTºS 410º, Nº 1, 442º E 755º, Nº 1, AL. F) DO C. CIVIL; 128º, NºS 1 E 3 E 129º, Nº 1 DO CIRE.
Sumário:
- Dada a sua natureza de recurso de reponderação e não de reexame, na apelação não é admissível a alegação de factos novos.
- Contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410º, nº 1 do Código Civil).
- Sendo o direito do adquirente dotado de eficácia real ele é investido não apenas no direito de crédito à celebração do contrato definitivo, mas simultaneamente num direito real de aquisição.
- Faltando eficácia real à promessa, o promitente adquirente apenas tem a seu favor um direito de crédito à celebração do contrato definitivo.
- Havendo sinal e o promitente fiel for o adquirente, e este não opte pela execução específica ou esta não seja já possível, assiste-lhe o direito de exigir o dobro do que prestou, ou caso, tenha havido tradição da coisa objecto do contrato definitivo prometido, o valor desta, objectivamente determinado ao tempo do não cumprimento, com dedução do preço convencionado, e a restituição do sinal e da parte do preço que tenha pago (artº 442º, nºs 1, 2, 2ª parte, e 3 do Código Civil).
- A lei disponibiliza para estes créditos resultantes do não cumprimento do contrato promessa, sempre que tenha havido traditio da coisa prometida, uma tutela particularmente enérgica: o direito de retenção (artº 755º, nº 1 f) do Código Civil).
- Um dos pressupostos do direito de retenção é a existência de um nexo causal entre o crédito e a coisa: é o que decorre da declaração da lei de que o crédito deve resultar de despesas por causa da coisa ou de danos por ela causados (artº 754º do Código Civil).
- Contudo, essa conexão pode também ser estabelecida pelo facto de a detenção resultar de uma relação legal ou contratual à qual a lei reconheça, como garantia, aquele direito.
- Está nestas condições, precisamente a retenção reconhecida ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real para quem a coisa objecto mediato definitivo prometido tenha sido traditada, no tocante ao crédito resultante do não cumprimento dele pelo outro promitente (artº 755 nº 1 f) do Código Civil).
- Todavia, a verdade é que o texto da lei abrange, sem qualquer distinguo ou reserva, todos os contratos promessa de transmissão ou constituição de direito real em que tenha havido tradição da coisa – versem esses contratos sobre prédios (urbano ou rústicos) ou sobre coisas móveis.
- Concluindo-se, v.g., que a traditio visou antecipar a realização das prestações objecto do contrato definitivo, o que sucederá, por exemplo, quando o preço está pago na totalidade ou em grande parte, e o promitente adquirente exerce sobre a coisa poderes de facto correspondentes ao direito real de propriedade, haverá posse nos termos deste último direito real.
- A traditio exigida para que se constitua o direito de retenção reclama apenas a detenção material lícita da coisa – não sendo necessário, para esse efeito, uma posse.
- Por outras palavras: a posse não constitui requisito daquela garantia real.
- Deste modo, os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são apenas estes: a traditio da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito.
- Para a constituição da retenção não se exige sequer a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade, pelo promitente adquirente de um direito de crédito relativamente à contraparte.
- Nem a reclamação de créditos em processo de insolvência está na dependência da existência de um título executivo, nem é necessário que a garantia real representada pelo direito de retenção se mostre reconhecido por sentença.
- A intervenção, na insolvência, dos credores do insolvente, se não restringe àqueles que se encontre munidos de título executivo, antes se encontra aberta a todos os credores, seja qual for a natureza ou fundamento do seu crédito (artºs 128 nºs 1 e 3 e 129 nº 1 do CIRE).
- O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1º do CIRE).
- No processo de insolvência, não constitui pressuposto da intervenção dos credores do insolvente a existência de um título executivo.
- O reconhecimento do direito de retenção pelo promitente comprador não depende da verificação, por sentença, dos respectivos pressupostos, não sendo exigível que esteja munido de título executivo nem a apresentação daquela sentença, sendo inteiramente admissível que o reconhecimento do crédito e da garantia alegadas seja feita, no contexto da acção de insolvência, no processo de verificação e graduação de créditos.
- Para que o direito de retenção se deva reconhecer ao promitente, é suficiente uma traditio ficta – a entrega de um objecto que representa simbolicamente a coisa e permita a actuação material sobre ela. É o que ocorre, frequentemente, no caso de prédios urbanos ou de fracções de prédio urbano, em que basta para a realização da traditio a entrega das chaves – que não ocorra no local – que permitam aceder aqueles bens.
- O direito de retenção resolve-se no direito conferido ao credor, que encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.
- O direito de retenção, porque dispõe de sequela – de que a inerência, i.e. inseparabilidade do direito real e da coisa é a noção base – é um verdadeiro real.
- O direito de retenção prevalece mesmo sobre o direito de crédito garantido por hipoteca ainda que anteriormente constituída, rectius, registada (artº 759º, nº 2 do Código Civil).
- Declarada a insolvência do dono da coisa, o retentor terá que a entregar ao administrador, dado que tratando-se de bem do insolvente, e, portanto, integrante da massa, aquele terá que a apreender, mas sem que aquele direito real de extinga (artºs 46º, nº 1, 149º e 150º do CIRE).
- O retentor terá, pois, de reclamar o seu direito de crédito (artº 47º, nº 4 a) do CIRE).