Execução. Venda executiva. Hipoteca. Arrendamento. Aplicação da lei no tempo. Nulidade. Abuso de direito
EXECUÇÃO. VENDA EXECUTIVA. HIPOTECA. ARRENDAMENTO. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. NULIDADE. ABUSO DE DIREITO
APELAÇÃO Nº 178/05.7TBYND-B.C1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Data do Acordão: 01-10-2013
Tribunal: TONDELA 2º J
Legislação: ARTS.289, 291, 824, 1022, 1057 CC, DL Nº 321-B/90 DE 15/10, DL Nº 64-A/2000 DE 22/4
Sumário:
- A venda forçada em processo executivo não afecta a relação locatícia validamente celebrada antes da constituição de qualquer direito real de garantia sobre o locado, maxime da hipoteca, tendo plena aplicação o regime geral de transmissão previsto no artigo 1057.º, e consequentemente, a posição do senhorio transmitir-se-á para o terceiro adquirente do arrendado, que sucede nos respectivos direitos e obrigações.
- Quando as partes denominavam um contrato de “contrato-promessa de arrendamento comercial” mas previam no mesmo todas as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, tinha de considerar-se que estávamos perante um contrato de arrendamento comercial, e não perante um contrato-promessa de arrendamento comercial, porquanto naquele escrito já se encontravam todos os elementos essenciais do contrato de arrendamento previstos pelo artigo 1022.º do CC.
- Estando o acordo entre as partes datado de 27-10-1999, a validade ou invalidade do contrato de arrendamento decorrente da inobservância das regras de forma, rege-se pela lei vigente à data da celebração do contrato.
- Àquela data, a validade formal de um contrato de arrendamento urbano destinado a uma actividade comercial, regia-se pelo disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, de acordo com o qual deviam ser reduzidos a escritura pública os arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal.
- Apesar de entretanto ter entrado em vigor a simplificação introduzida pelo DL n.º 64-A/2000, de 22-04, após cuja entrada em vigor a escritura pública foi dispensada nos contratos de arrendamento urbano para comércio, indústria e exercício de profissão liberal, esta alteração não veio convalidar os contratos de arrendamento anteriormente celebrados sem observância da exigência legal de forma, os quais são nulos.
- Ao invés do que acontecia na vigência do n.º 3 do art.º 1029.º do CC, aditado pelo DL n.º 67/75, de 19-12, segundo o qual, no caso da al. b) do n.º 1, a falta de escritura pública era sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só era invocável pelo locatário que podia fazer a prova do contrato por qualquer meio, a nulidade em apreço passou a seguir o regime geral e, como tal, é de conhecimento oficioso e invocável por qualquer interessado (artigo 286.º do CC).
- Perante a nulidade, por vício de forma, do contrato de arrendamento celebrado pelo Recorrente na qualidade de arrendatário, a detenção e utilização do prédio e a recusa em proceder à sua entrega à Exequente que o adquiriu em venda judicial, “constitui mera ocupação intitulada de coisa alheia, sendo ilegítima e não merecedora de qualquer protecção jurídica – artigos 289.º e 291.º do CC”, mormente a que resultaria da existência de um contrato formalmente válido celebrado anteriormente à constituição da hipoteca sobre o imóvel.
- Acresce que, apesar de o contrato de arrendamento para comércio poder ser celebrado por simples documento escrito desde 2000, mesmo que tal tivesse ocorrido, no caso em apreço continuava a ser um contrato nulo por via do preceituado no artigo 9.º, n.º 7, do RAU, uma vez que o local se destinava a fim habitacional.
- Atenta a respectiva nulidade, o contrato de arrendamento invocado pelo Recorrente como fundamento do seu direito de permanecer no imóvel no confronto com o adquirente em venda judicial do mesmo não pode prevalecer, porquanto, à nulidade contratual aplica-se o regime previsto no artigo 289.º do CC, com a consequente obrigação de entrega do imóvel.
- Entre o direito ao trabalho e o direito de propriedade, não existe qualquer prevalência legalmente consagrada, não violando o despacho recorrido qualquer preceito constitucional.
- E, finalmente, também não se mostra que a Exequente esteja a actuar com abuso do direito ao pedir a entrega a quem ocupa sem título válido, o imóvel que adquiriu em venda judicial, livre e devoluto.