Muro. Servidão de vistas. Responsabilidade civil. Direitos de personalidade. Ilicitude. Apreciação da prova. Fundamentação de facto. Anulação de julgamento

MURO. SERVIDÃO DE VISTAS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITOS DE PERSONALIDADE. ILICITUDE. APRECIAÇÃO DA PROVA. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. ANULAÇÃO DE JULGAMENTO  

APELAÇÃO Nº 1259/08.0TBGRD.C1 
Relator: ALBERTINA PEDROSO 
Data do Acordão: 07-05-2013
Tribunal: GUARDA 2º J
Legislação: ARTS. 70, 483, 563, 1360, 1362, 1370, 1371, 1373 CC, 653, 659, 685-B, 712 Nº4 CPC, RGEU
Sumário:

  1. Efectuada a análise crítica das provas no âmbito da decisão a que se refere o n.º 2 do art. 653.º do CPC, será absolutamente desnecessário, por completamente inútil, proceder a nova repetição dessa fundamentação na sentença.
  2. O disposto no artigo 659.º, n.º 3, do CPC, no segmento referente ao exame crítico das provas que cumpre ao juiz conhecer, terá no âmbito do processo declarativo comum, uma aplicação restringida no momento da prolação da sentença, apenas aos casos em que o julgador, só nesse momento, considera provados factos para além daqueles que já se encontravam provados.
  3. Quanto à omissão da motivação da matéria de facto, as partes têm duas formas de reagir: logo no momento da decisão da matéria de facto, reclamando contra a falta da sua motivação, nos termos previstos no artigo 653.º, n.º 4, do CPC; ou recorrendo, nos termos do preceituado no artigo 685.º-B do mesmo diploma legal, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, sendo que o facto de não terem oportunamente reclamado não preclude o recurso quando à matéria de facto, com este fundamento.
  4. A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção.
  5. Ainda que o Tribunal da Relação conclua pela existência de deficiente fundamentação na decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, a sanação da deficiência verificada, mesmo incidindo, como é pressuposto legal, sobre factos essenciais para a decisão da causa, não pode determinar oficiosamente que a mesma seja devidamente fundamentada, deixando o legislador esta possibilidade unicamente na disponibilidade do interessado que tem que requerer tal diligência, ao contrário do que ocorre na situação prevista no n.º 4 do referido artigo 712.º.
  6. Tendo o tribunal de 1.ª instância respondido à matéria de facto impugnada atendendo globalmente a toda a prova produzida – pericial, documental e testemunhal – não é lícito à Relação alterar a matéria de facto apurada, servindo-se da gravação dos depoimentos, uma vez que não tendo sido observado pelos Recorrentes o disposto no n.º 2 do artigo 685.º-B do CPC, “tudo se passa como se essa gravação não existisse”.
  7. Não tendo os AA. demonstrado nem a propriedade exclusiva do muro onde a construção foi efectuada em toda a sua largura pelos RR. nem sequer a respectiva compropriedade, não tinham os RR., pelo menos com este fundamento, que obter o respectivo consentimento para efectuarem tal construção, não tendo com a mesma limitado o direito de propriedade dos Recorrentes sobre o muro, pura e simplesmente porque estes não demonstraram que tal direito sequer existisse.
  8. Entre os direitos de personalidade avulta o direito à saúde e ao bem-estar que os AA. invocam terem sido violados com a construção levada a cabo pelos RR. e cuja tutela se efectua, nos termos preconizados no n.º 2 do referido artigo 70.º, por via da responsabilidade civil prevista nos artigos 483.º e ss. do CC.
  9. Assim, para aquilatar da existência do primeiro pressuposto da obrigação de indemnizar com este fundamento, necessário se torna previamente apurar se os RR. praticaram algum facto ilícito ao efectuar a construção que teve sobre o imóvel dos AA. as consequências que se apuraram quanto à entrada de sol na respectiva habitação, só depois cabendo subsidiariamente apreciar se, ainda que se trate dum facto lícito, estamos perante alguma situação de colisão de direitos, a dirimir por via do disposto no artigo 335.º, n.º 2, do CC.
  10. A violação das regras de construção previstas no RGEU, pode originar infracção de norma legal destinada a proteger interesses alheios, de modo a resultar preenchido o pressuposto «ilicitude», previsto na parte final do n.º 1 do art.º 483.º do CC, mesmo que se não mostre preenchida a previsão de algum dos preceitos do CC que disciplinam as relações jurídicas reais de vizinhança entre imóveis.
  11. Resultando que a resposta dada a matéria da base instrutória se mostra aparentemente inconciliável com matéria de facto que se encontra assente, afigurando-se obscura ou contraditória, impõe-se a anulação parcial do julgamento para a sanação de tal deficiência.
  12. Tendo os AA. invocado factos tendentes a demonstrar que a construção levada a cabo pelos RR. foi efectuada com violação do preceituado no artigo 1360.º do CC, e os RR. factos que afastam a restrição imposta por este preceito, os quais não foram objecto de julgamento apesar de terem sido objecto de articulado superveniente oportunamente admitido e de haver sido determinado o seu aditamento à base instrutória, impõe-se anular parcialmente o julgamento, com vista à produção de prova sobre esses factos essenciais.

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