Contrato de fornecimento. Energia eléctrica. Não pagamento. Caducidade

CONTRATO DE FORNECIMENTO. ENERGIA ELÉCTRICA. NÃO PAGAMENTO. CADUCIDADE

APELAÇÃO Nº 602/08.7TBOBR.C1
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Data do Acordão: 10-09-2013
Tribunal: BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE ANADIA – JUIZ 1 
Legislação: ART. 10º LEI Nº 23/96 DE 26/07 E 331º Nº 2 DO CC
Sumário:

  1. A boa fé, enquanto princípio geral e norma de conduta que releva para a apreciação do abuso de direito, implica a adopção de uma conduta pautada pela honestidade e lealdade e que não defraude a confiança e as expectativas de outrem e, implicando também o dever de informar e esclarecer quando tal se justifique, impõe que o devedor alerte o credor para o erro em que este labora, sempre que tenha a percepção que o não exercício do seu direito (no todo ou em parte) decorre de erro do credor; mas já não se justifica impor ao devedor – enquanto regra de conduta inerente ao princípio da boa fé e lealdade para com a outra parte – qualquer dever de cuidado ou diligência na detecção de eventuais erros de credor.
  2. Assim, estando em causa um crédito emergente de fornecimento de energia eléctrica que não foi cobrado oportunamente por erro de medição e facturação do prestador do serviço, não actua com abuso de direito o devedor que, desconhecendo (ou não se provando que conhecesse) esse erro, vem invocar a caducidade daquele direito, ainda que pudesse ter tido a percepção do erro se actuasse com alguma diligência.
  3. Para efeitos de aplicação da Lei nº 23/96 de 26/07, considera-se utente dos serviços públicos essenciais por ela abrangidos, toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, independentemente da sua dimensão e poder económico, não deixando de gozar da protecção concedida pela citada Lei a empresa que, além de utente do serviço de fornecimento de energia eléctrica, é também produtora de energia eléctrica, vendendo à “rede” a energia que produz.
  4. O nº 3 (actual nº 5) do art. 10º da citada Lei, ao excluir o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão do regime de prescrição e caducidade que aí se encontra previsto, abrange apenas a alta tensão e não o fornecimento de energia eléctrica em média tensão e daí não decorre qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
  5. Não obstante o carácter injuntivo dos direitos atribuídos pela citada Lei nº 23/96 (o que determina a nulidade – que apenas pode ser invocada pelo utente – da disposição ou convenção que exclua ou limite esses direitos), tais direitos não são, em rigor, indisponíveis e, portanto, o reconhecimento, por parte do utente, do direito do prestador do serviço impede a caducidade, em conformidade com o disposto no art. 331º, nº 2, do C.C.

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