Acidente de viação. Peão. Riscos próprios do veículo. Culpa exclusiva do lesado. Afastamento da concorrência do risco
ACIDENTE DE VIAÇÃO. PEÃO. RISCOS PRÓPRIOS DO VEÍCULO. CULPA EXCLUSIVA DO LESADO. AFASTAMENTO DA CONCORRÊNCIA DO RISCO
APELAÇÃO Nº 1007/22.2T8GRD.C1
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Data do Acórdão: 24-09-2024
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Legislação: ARTIGOS 99.º, 101.º, N.º 3, DO CÓDIGO DA ESTRADA, 505.º E 570.º DO CCIV.
Sumário:
I – À luz da interpretação atualista do art.º 505.º do CCiv., a concorrência da culpa (facto imputável ao lesado) com o risco do lesante pressupõe sempre que o risco próprio e inerente à circulação do veículo não seja eliminado enquanto causa concorrente para a produção do dano – seja porque, em termos objetivos, é isso que resulta das concretas circunstâncias do caso, seja porque o facto imputável ao lesado que deu causa ao acidente não tem relevância bastante para eliminar o risco próprio do veículo enquanto causa concorrente para a produção do acidente e do dano, por estar em causa um facto praticado com culpa leve (mero descuido ou distração) com escassa relevância causal para o acidente que torna plausível a efetiva comparticipação do risco próprio do veículo no processo causal que deu origem ao acidente.
II – Mesmo com essa interpretação atualista, a responsabilidade pelo risco sempre se consideraria excluída num caso em que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do peão/lesado, sem que se possa considerar estar em causa uma culpa leve, por ter violado frontalmente os comandos legais que lhe impunham o uso das passadeiras (que existiam no local) para fazer a travessia da via, optando por fazer a travessia fora desses locais, sem que tivesse adotado os cuidados necessários no sentido de se certificar e de garantir que o podia fazer em segurança.
III – Trata-se, em vez disso, de uma conduta deliberada que envolvia um risco relevante, como tal, assumido pelo lesado quando atravessou a via naquelas circunstâncias, ou seja, a existência de culpa grave e exclusiva do lesado sempre importaria a exclusão da responsabilidade pelo risco.
IV – No caso, não existiu sequer contribuição relevante do risco próprio do veículo no processo causal que deu origem ao dano, por o embate do veículo ter ocorrido do lado direito do peão, não havendo notícia de que este tenha sofrido qualquer lesão nesse lado do corpo, tudo indicando que o veículo parou de imediato e que o seu embate foi muito ligeiro.