Usucapião. Posse. Provas. Presunção. Animus possidendi

USUCAPIÃO. POSSE. PROVAS. PRESUNÇÃO. ANIMUS POSSIDENDI
APELAÇÃO Nº
1350/11.6TBGRD.C1
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data do Acordão: 25-02-2014
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 3º JUÍZO
Legislação: ARTºS 1251º, 1252º, Nº 2, E 1268º DO C. CIVIL.
Sumário:

  1. O legislador – sempre sensato no âmbito dos direitos reais – por entender que a prova do elemento intelectual da posse é, por vezes, difícil, estabeleceu, no nº 2 do art.º 1252.º do C.Civil, uma presunção no sentido de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do nº 2 do art.º 1257.º do mesmo diploma.
  2. Desta forma, vem o Supremo Tribunal de Justiça decidindo, de forma pacífica, no sentido de que o detentor da coisa, ou seja o que tem o poder de facto, ou o “corpus”, está dispensado de provar que possui com intenção de agir como titular do direito real correspondente – em Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, aplicou esta doutrina, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.
  3. O animus exprime-se pelo poder de facto, logo a intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras. O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização.
  4. É certo que nos termos da norma do artigo 294.º do Código Civil um contrato celebrado contra disposição legal de carácter imperativo é nulo.
  5. No entanto, o legislador avisado não formula a redacção desta norma de uma forma absoluta, cedendo sempre que outra solução resulte da lei, nomeadamente nos casos em que a lei proibitiva resulta pouco adequada à sanção de nulidade, considerados os interesses em presença e o escopo visivelmente visado pelo legislador.
  6. Fora das situações em que o legislador avulso impede a “usucapibilidade” de certos bens – por ex. o caso dos baldios (artigo 2.º do Dec. Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro) e dos bens culturais classificados ou em vias de classificação (Lei 107/2001 de 8/09) -, os Tribunais têm dado preferência à usucapião como forma originária de aquisição, em detrimento de certas exigências de âmbito administrativo e limitações legais.
  7. Concorrendo os requisitos da usucapião, aferidos pelas características da posse, os vícios anteriores e as vicissitudes ligadas ao acto ou negócio causal não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.
  8. A usucapião não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem.
  9. O criador de tal instituto entendeu que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex-novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente, retrotrai à data do início de tal situação de facto.

Consultar texto integral