Seguro obrigatório automóvel. Incêndio. Dever de vigilância. Presunção de culpa. Responsabilidade pelo risco. Riscos próprios do veículo. Pressupostos. Nexo de causalidade

SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL. INCÊNDIO. DEVER DE VIGILÂNCIA. PRESUNÇÃO DE CULPA. RESPONSABILIDADE PELO RISCO. RISCOS PRÓPRIOS DO VEÍCULO. PRESSUPOSTOS. NEXO DE CAUSALIDADE

APELAÇÃO Nº 500/22.1T8LRA.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acórdão: 20-02-2024
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Legislação: ARTIGOS 483.º, N.º 2, 503.º, 505.º DO CÓDIGO CIVIL, 4.º, N.º 1, 6.º, N.º 1, E 11.º DO DECRETO-LEI N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO

 Sumário:

I – Aquele que detém uma coisa – por exemplo, um veículo automóvel – com o dever de a vigiar, responde pelos danos que ela causar, excepto se provar que não teve culpa ou que os danos se teriam igualmente produzidos ainda que não houvesse culpa sua.
II – O fundamento material geral desta imputação subjetiva residirá aqui em que a comunidade tem de poder confiar em que quem exerce o poder de domínio sobre um bem determinado, acessível a outras pessoas, deve também dominar os riscos que para estas podem resultar do estado ou de situações perigosas.
III – Quem domina uma fonte de riscos determinável dentro de um âmbito de atuação objetivável, fica vinculado a deveres de cuidado e de prevenção – só determináveis em concreto – devendo actuar no sentido do afastamento ou da minimização dos perigos que daquela coisa resultam para terceiros, sob pena de responsabilidade.
IV – Se a coisa a vigiar não for em si mesma perigosa, aqueles deveres valerão no tocante a perigos especiais que dela partam.
V – O vinculado à vigilância, por exemplo, de um veículo automóvel, pode alijar a sua responsabilidade em dois casos: se provar que nenhuma culpa houve da sua parte; se demonstrar que os danos sempre se produziriam, ainda que não houvesse culpa sua, hipótese em que pode prevalecer-se da relevância negativa de causas virtuais.
VI – Para que esta imputação subjectiva de responsabilidade actue, é necessário que os danos tenham, objectivamente, sido causados, directamente, pela coisa que deve ser vigiada, que a coisa seja a causa ou a etiologia próxima desses mesmos danos.
VII – Na responsabilidade pelo risco não há sequer ilicitude ou mesmo um facto, no sentido de actuação livre e consciente do lesante, o que não pode deixar de se projectar na causalidade e no cálculo da indemnização que, por esse motivo, devem ser submetidas a regras diferenciadas, pelo que no caso de acidentes causados por veículos, a determinante é antes e só os riscos próprios do veículo e é o âmbito desses riscos que dá a medida da imputação.
VIII – A responsabilidade por acidentes causados por veículos, regulada pelo art.º 503, n.º 1, do Código Civil, só se constitui se o dano puder ser atribuído – imputado – aqueles riscos: estes hão-de ter sido causa do resultado danoso, estando, assim, a imputação dependente de um duplo factor: os riscos próprios do veículo; que esses riscos tenham conduzido, segundo um critério objectivo, à produção do resultado danoso, que foram esses riscos – numa perspectiva externo-objectiva – que se materializaram ou concretizaram naquele resultado.
IX – No seguro de responsabilidade civil o risco consiste na constituição no património do segurado de uma obrigação de indemnizar terceiros, ou, de modo mais perifrástico, na emergência inesperada para o segurado de uma obrigação de indemnizar proveniente de uma responsabilidade extracontratual, causada por um acto ilícito culposo – e nos casos em que tal seja admitido, também doloso – ou pelo risco juridicamente imputáveis ao segurado.
X – O risco é, neste tipo de seguro, o facto – ou conjunto de factos – determinante da obrigação de indemnizar que venha eventualmente a recair sobre o segurado, do que decorre que a obrigação do segurador só surge – mas surge sempre – se e quando estiverem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil coberta pelo seguro, incluindo o facto danoso, o dano e a determinação do lesado.
(Sumário elaborado pelo Relator)

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