Recurso. Impugnação de facto. Ónus de especificação. Rejeição. Casamento. Bens comuns. Divórcio. Dívidas. Compensações. Direito de regresso. Enriquecimento sem causa. Ónus da prova
RECURSO. IMPUGNAÇÃO DE FACTO. ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO. REJEIÇÃO. CASAMENTO. BENS COMUNS. DIVÓRCIO. DÍVIDAS. COMPENSAÇÕES. DIREITO DE REGRESSO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ÓNUS DA PROVA
APELAÇÃO Nº 201/14.4T8FIG.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 17-09-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – F.FOZ – JL CÍVEL – JUIZ 2
Legislação: ARTS. 640 CPC, 342, 473, 479, 524, 1730 CC
Sumário:
- As exigências decorrentes dos ónus legais a que alude o art. 640°, nºs 1 e 2, do NCPC, devem ser ponderadas à luz de um critério de rigor, em conformidade com o princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto fique refém de um mero inconsequente inconformismo.
- Pretendendo-se a reapreciação de prova gravada – para o que as partes beneficiam de um prazo recursivo acrescido de dez dias -, mas faltando totalmente a especificação quanto à exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (significativo número de demoradas declarações de parte e de depoimentos testemunhais), deve ocorrer imediata rejeição na parte respectiva, quando desta não resulta qualquer delimitação de partes relevantes e/ou decisivas para a apreciação que se queria ver feita.
- Se o recorrente não alegar, ou alegando, não concluir, o requerimento de interposição do recurso é indeferido, nos termos do estipulado pelo art. 641.°, n.º 2, b), do NCPC, mas se alegar e concluir, faltando as especificações quanto à exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o mesmo é, imediatamente, rejeitado.
- O ónus da prova (art. 342º Código Civil) respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto – trazida, ou não, pela mesma parte.
- Em função do que se consagra no art. 524º Código Civil (direito de regresso), «o direito de regresso tem por conteúdo, em relação a cada um dos condevedores, a parte da sua responsabilidade no crédito. Normalmente, são iguais essas quotas; excepcionalmente, podem ser diferentes, quer por força da lei, quer por força do negócio jurídico (cfr. n.º 2 do art. 512.°), e pode até a responsabilidade recair exclusivamente sobre algum ou alguns deles (cfr., como exemplo, o n.º 2 do art. 507.º).
- Como decorrência do disposto no art. 1730º Código Civil, os bens comuns do casal constituem um património colectivo e não uma compropriedade, havendo ali, portanto, um só direito com dois titulares. Com a dissolução do casamento, os bens comuns não passam imediatamente ao regime de compropriedade o que só acontecerá se, ao procederem à partilha, os cônjuges pretenderem ficar com os bens em comum. Tendo um ex-cônjuge pago, após o divórcio, dívidas de ambos, só poderá exigir do outro ex-cônjuge o crédito respectivo no momento da partilha dos bens comuns do casal, a não ser que o regime vigente entre os cônjuges seja o da separação.
- O conceito legal do enriquecimento sem causa do art. 473º do Código Civil, deve ser interpretado como a vantagem patrimonial (reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito), obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem, relevando o enriquecimento injustificado, e não o empobrecimento daquele à custa de quem o enriquecimento se deu, sendo sua medida a diferença entre a situação actual e a situação hipotética do enriquecido.
- Acresce que o enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido.
- Quem invoca o enriquecimento sem causa deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento. Incidindo, também, sobre o pretenso empobrecido, o ónus da alegação e prova da falta da causa justificativa do enriquecimento.