Recurso. Impugnação de facto. Ónus da especificação. Passagens da gravação

RECURSO. IMPUGNAÇÃO DE FACTO. ÓNUS DA ESPECIFICAÇÃO. PASSAGENS DA GRAVAÇÃO
APELAÇÃO Nº
1268/13.8TBCBR.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 20-04-2016
Tribunal: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL – J2
Legislação: ART.640 CPC
Sumário:

  1. Não se deve confundir nulidades da sentença com eventuais vícios da decisão da matéria de facto (por dela não constar a respectiva fundamentação, ou suficiente motivação, ou haver motivação inteligível).
  2. Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda.
  3. A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a transcrição, total ou parcial, de depoimentos das testemunhas, pois tal transcrição é uma mera faculdade.
  4. Aliás, o texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em: violação do princípio da igualdade das partes ( ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz!) -; do princípio do contraditório ( por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor ), e do princípio da colaboração com o tribunal ( por razões análogas, mas reportadas ao julgador).
  5. Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.
  6. Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não divisamos ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómalo, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso.

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