Decisão Instrutória; Contradição Insanável da Fundamentação; Erro Notório na Apreciação da Prova; Crime de Violação de Domicílio; Conceito de Domicílio; Falta de Consciência da Ilicitude

DECISÃO INSTRUTÓRIA; CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO; ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA; CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO; CONCEITO DE DOMICÍLIO; FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

RECURSO CRIMINAL Nº 22/22.0PBMLG.C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 12-07-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE VISEU- JUIZ 1
Legislação: ARTIGOS 16.º, 17.º E 190.º DO CÓDIGO PENAL/C.P.; ARTIGO 410.º, N.º 2, ALÍNEAS B) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.

 Sumário:

I – Embora possam, em certos casos, estender o seu regime aos simples despachos, os vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. são claramente vícios da sentença final e, sobretudo, são vícios da matéria de facto.

II – Sendo vícios relativos à sentença e reportando-se à matéria de facto provada, tais vícios não podem ser assacados à decisão proferida em sede de instrução, pois esta reporta-se a matéria de facto indiciada.

III – Além disso, podendo a verificação de qualquer daqueles vícios ter como consequência o “reenvio do processo para novo julgamento”, nos termos dos artigos 426.º e 426.º-A, do C.P.P., tal pressupõe que eles derivaram de um julgamento anterior.

IV – O bem jurídico protegido pelo crime de violação de domicílio é a privacidade/intimidade, visando a salvaguarda de uma área de reserva pessoal delimitada, que é a habitação.

V – O objecto da acção do crime de violação de domicílio é a habitação, entendida como espaço fisicamente fechado e efectivamente reservado ao alojamento de uma ou várias pessoas, podendo integrar a noção de habitação um quarto de hotel, um quarto arrendado, uma tenda de campismo, uma caravana, uma roulotte ou mesmo um barco ou um automóvel nos quais se alojem pessoas.

VI – Deve incluir-se no conceito de domicílio qualquer construção utilizada, permanente ou transitoriamente, para moradia individual ou familiar, integrando o conceito todas as divisões pertinentes a uma casa de habitação, como, por exemplo o hall, corredores, casas de banho, casas de máquinas e outras, assim como os espaços fechados a ela associados e nela fisicamente integrados, por exemplo garagens, ginásios, saunas e anexos, mas já não os pátios, os jardins ou similares desde que não fechados e, portanto, não integrados na construção em si que serve de habitação.

VII – O elemento subjectivo do crime de violação de domicílio traduz-se no conhecimento e vontade de praticar o facto, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido e com consciência da censurabilidade da sua conduta.

VIII – A mera consideração que o arguido pode ter agido por indicação do seu advogado e que, por isso, podia estar convicto que a sua actuação era lícita, não permite, sem mais, inferir que agiu sem previsão ou representação das circunstâncias do facto, ou seja, sem conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objectivo, quer descritivos, quer normativos, e sem vontade dessa realização depois de ter previsto ou representado tais elementos constitutivos do tipo objectivo.

IX – O erro sobre a proibição, também conhecido por erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade, apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se pode presumir conhecida de todos os cidadãos, crimes artificiais de criação meramente estadual, meramente proibidos ou mala prohibita.

X – Relativamente aos crimes cuja punibilidade se pode presumir conhecida e se exige que seja conhecida de todos os cidadãos normalmente socializados, crimes naturais, crimes em si ou mala in se, seja os previstos no C.P., seja em legislação avulsa, mas sedimentados pelo decurso do tempo, é inaplicável o artigo 16.º do C.P., sendo que o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artigo 17.º, em que o afastamento da culpa só ocorre quando a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável.

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