Crime de denúncia caluniosa. Exercício do direito de denúncia
CRIME DE DENÚNCIA CALUNIOSA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE DENÚNCIA
RECURSO CRIMINAL Nº 573/17.9T9CTB.C2
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Data do Acórdão: 09-10-2024
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2
Legislação: ARTIGO 365.º, N.º 1 E 2, DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 114.º, N.º 1, DA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO/ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS/EOA
Sumário:
I – Para que o tribunal de recurso conheça de determinado assunto, assegurando dessa forma a legitimidade da sua intervenção, a decisão objecto do recurso tem de se ter pronunciado sobre a mesma.
II – Qualquer participação, criminal ou disciplinar, dirigida contra pessoa certa contém, objectivamente e ainda que a nível de suspeita sustentada por argumentos meramente indiciários, uma ofensa à honra e consideração do denunciado, por se traduzir na imputação de factos penal ou disciplinarmente ilícitos.
III – “Autoridade”, para efeitos do crime de denúncia caluniosa, é a entidade competente para conhecer e decidir o respectivo procedimento, seja criminal, contraordenacional ou disciplinar.
IV – Tendo os órgãos da Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 114.º, n.º 1, do EOA, competência exclusiva para efeitos de exercício do poder disciplinar sobre um advogado, resulta que eles integram o conceito de “autoridade” referida no n.º 1 do artigo 365.º do Código Penal.
V – No crime de denúncia caluniosa os interesses protegidos pela incriminação são a administração da justiça, a não ser perturbada por impulsos inúteis e infundados, e os acusados a serem protegidos contra imputações falsas e temerárias lesivas da sua honra.
VI – Sendo impensável num Estado de direito impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que lesará a honra do participado, ocorre uma colisão de direitos entre o direito à honra do denunciado e o direito à denúncia como forma de acesso à justiça, devendo prevalecer o direito considerado superior.
VII – Não existe o direito de denúncia quando o denunciante conhece a falsidade dos factos imputados, o que afasta a causa de exclusão de ilicitude prevista no art.º 31.º, n.ºs 1 e 2 al. b), do Código Penal.
VIII – Para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa exige-se a comprovação de não ter a pessoa denunciada cometido o facto denunciado, no caso os ilícitos disciplinares, a que acresce o tipo subjectivo do crime, o mesmo é dizer o agente saber que o visado é inocente da infracção que lhe imputa, excluindo-se dele o dolo eventual.