Bancos. Relações com os clientes. Dever de informação
BANCOS. RELAÇÕES COM OS CLIENTES. DEVER DE INFORMAÇÃO
APELAÇÃO Nº 8891/18.2T8CBR.C2
Relator: VÍTOR AMARAL
Data do Acórdão: 12-07-2022
Tribunal: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10
Sumário:
1. – A violação culposa de deveres indeclináveis de informação e esclarecimento ou conselho e de zelo a cargo de entidade bancária, no âmbito da respetiva atividade, perante cliente – consumidor de serviços bancários – depositante de um cheque de elevado montante sobre o estrangeiro, mas em deficit de informação quanto ao regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.
2. – Se, em atendimento presencial em agência do banco, este faculta ao cliente um impresso (elaborado e usado na sua atividade bancária) referente ao depósito de cheques sobre o estrangeiro, contendo, em campo de preenchimento obrigatório, a menção quanto à opção pelo regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, devendo o cliente escolher entre (i) envio à cobrança (ficando o cheque na dependência de boa cobrança, sem o que não ocorre disponibilização de fundos em conta), (ii) tomada nas condições standard e (iii) crédito imediato (modalidades estas em que a disponibilização ocorre antes da verificação quanto à cobrança), cabe à entidade bancária, no âmbito do elevado padrão de conduta que lhe é imposto pelo princípio da boa-fé, no quadro de relacionamento contratual duradouro, intuitus personae e de total confiança – em que deverá proteger os legítimos interesses do cliente, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária –, em vez de receber o formulário sem preenchimento do campo obrigatório, diligenciar pelo respetivo preenchimento, esclarecendo/alertando quanto à importância da matéria e aos diversos níveis de risco para o cliente associados àquelas modalidades do regime bancário.
3. – Se, perante aquela incompletude do formulário, o banco vem a optar posteriormente, de forma unilateral, pela modalidade de tomada nas condições standard, sem disso dar conhecimento ao cliente, disponibilizando o montante do cheque na sua conta bancária, como saldo disponível, sem verificação quanto à boa cobrança, ficando o cliente convencido de que podia dispor daquele montante sem risco, ocorre violação do dever de esclarecimento e de zelo para com o cliente, sujeitando-o ao risco de danos perante a ulterior devolução do cheque.
4. – Ainda que o cliente seja advogado de profissão, o seu relacionamento com o banco é como consumidor, isto é, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária, como o são as questões que se prendem com o regime e circuito financeiro de um cheque sobre o estrangeiro, pelo que, verificando o banco que o cliente não atentara no dito campo de preenchimento obrigatório, não poderia concluir que o cliente ficou esclarecido perante o que estava escrito no formulário.
5. – Só depois de alertado pelo banco para o dito regime e grau de risco, que o cliente desconhecia, seria pertinente o esclarecimento por este quanto às condições em que se tinha tornado portador do cheque e ao que pretendia fazer com o respetivo montante, razão pela qual não pode considerar-se haver conduta negligente (concorrente) do lesado.