Acidente de viação. Relação de comissão. Culpa. Indemnização. Privação do uso
ACIDENTE DE VIAÇÃO. RELAÇÃO DE COMISSÃO. CULPA. INDEMNIZAÇÃO. PRIVAÇÃO DO USO
APELAÇÃO Nº 133/22.2T8LSA.C1
Relator: CRISTINA NEVES
Data do Acórdão: 04-06-2024
Tribunal: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA LOUSÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 500.º, 503.º, N.º 3, 566.º, 570.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL, 2.º, 24.º, N.º 1, 48.º, N.ºS 1 E 4, E 50.º, N.º 1, AL.ª A), DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário:
I – A relação de comissão implica uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, agindo este mediante ordens ou instruções daquele, na realização dos actos materiais de que fora incumbido, no momento em que ocorreu o acidente (cfr. artº 500 do C.C.).
II – Só neste caso, actua a presunção de culpa contida no artº 503, nº 3, do C.C., respondendo, se não ilidida, o condutor por culpa e, solidariamente com este, o comitente nos termos do artº 500, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
III – Resultando da matéria de facto que ambos os veículos eram conduzidos por “conta e ao serviço” da firma proprietária de cada veículo, deve considerar-se que estes factos integram a relação de comissão, prevista no artº 500 do C.P.C. e assim, presumida a culpa de ambos os condutores na colisão destes veículos.
IV – Demonstrando-se que a colisão se verificou quando o condutor de um dos veículos, circulando numa recta com mais de 90 mts de visibilidade e numa via com 4,40 mts de largura, embateu num tractor que se encontrava parado, ocupando, perpendicularmente à via, 90 cms da faixa de rodagem, tem-se por verificada a culpa efectiva do condutor deste veículo na produção do acidente, decorrente da violação do dever de cuidado e de diligência contido nos artsº 2 e 24, nº1 do Código da Estrada.
V – Verifica-se uma situação de concorrência de culpas entre esta violação e a conduta do condutor do tractor ao invadir, com a pá a este acoplada, a via rodoviária, de forma perpendicular ao limite direito da via e ao não sinalizar, quer por via da colocação do triângulo quer acionando o pirilampo deste tractor, a manobra e a imobilização do veículo de forma parcial na faixa de rodagem (em contravenção do disposto nos artºs 2, 48, nºs 1 e 4 e 50, nº1 a) do C. da Estrada).
VI – Face a esta factualidade justifica-se a repartição de responsabilidades, por culpa efectiva na produção do acidente, em 40% para o condutor do tractor e em 60% para o condutor do veículo, por se considerar que a desatenção e violação dos deveres de cuidado e diligência deste último, contribuiu em maior medida para o evento e para os danos gravosos dele resultantes (art. 570, nº1, do CC).
VII – A indemnização dos danos causados, de acordo com o princípio geral contido no artº 566 do C.C., deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, ou seja, a medida da indemnização deve corresponder à medida do dano sofrido.
VIII – Visando este princípio a reparação do dano sofrido, à R. seguradora cabia o ónus de alegar e provar não só a excessiva onerosidade da reparação, mas também que o pagamento do valor venal do veículo era suficiente para colocar o lesado na situação em que se encontrava antes do acidente, ou seja, que com essa quantia o lesado poderia adquirir um veículo com as mesmas características do veículo sinistrado.
IX – Não sendo cumprido este ónus de alegação e prova, cabe ao lesado o direito a obter o valor que despendeu com aquisição de veículo de idênticas características ao veículo acidentado e em perda total.
X – A privação de uso de veículo merece a tutela do direito e é, nesta medida, indemnizável, uma vez que o simples uso do bem constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária e a sua privação, um dano.
XI – Este dano apenas cessa com a atribuição de indemnização à lesada em caso de perda total, ou com a substituição da viatura por outra de idênticas características e deve ser fixada atendendo a critérios de equidade.
(Sumário elaborado pela Relatora)