Suspensão da instância penal. Litispendência. Caso julgado. Estrutura acusatória do processo penal. Alteração não substancial dos factos. Livre convicção. Crime de perseguição. Assédio laboral
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA PENAL. LITISPENDÊNCIA. CASO JULGADO. ESTRUTURA ACUSATÓRIA DO PROCESSO PENAL. ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS. LIVRE CONVICÇÃO. CRIME DE PERSEGUIÇÃO. ASSÉDIO LABORAL
RECURSO CRIMINAL Nº 669/18.0T9GRD.C1
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Data do Acórdão: 12-04-2023
Tribunal: JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Legislação: ARTIGOS 1.º, ALÍNEA F), 7.º, 358.º, N.º 1, 359.º, E 412.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 580.º, N.º 1 E 2, E 581.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 154.º-A, N.º 1, E 155.º, N.º 1. ALÍNEAS C) E D), DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 29.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário:
I – Da estruturação legal do processo penal segundo o modelo acusatório, muito especificamente do princípio da acusação e da tutela do direito de defesa do arguido, decorre para o tribunal de julgamento a sua vinculação temática seja à acusação do Ministério Público ou à do assistente, (se o procedimento depender de acusação particular), se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, seja ao despacho de pronúncia se esta tiver sido requerida.
II – A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
III – A ratio legis para a imposição de comunicar a alteração não substancial de factos ao arguido prende-se com garantir o princípio do acusatório e os direitos de defesa, evitando que seja surpreendido pela condenação por factos não constantes da acusação ou da pronúncia.
IV – Só perante o caso concreto se pode aferir se a estratégia de defesa sai prejudicada pela não comunicação da alteração, uma vez que esta apenas tem lugar se tiver «relevo para a decisão da causa».
V – Os factos alegados no requerimento de indemnização civil, se provados, apenas relevam para o pedido de indemnização, não servem para agravar a responsabilidade criminal, pelo que não têm que ser comunicados ao abrigo do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
VI – Na impugnação ampla da matéria de facto exige-se ao recorrente que «imponha» uma outra convicção e para isso é imperativo que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, não apenas o relativo do «possível», sim o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
VII – As menções exigidas pelo artigo 412.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal, não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
VIII – O crime de perseguição, como crime de mera atividade, não pressupõe uma lesão efectiva, um resultado, mas sim uma série de comportamentos que, por si e no contexto envolvente, visam lesar a liberdade de outrem.
IX – A conduta típica do crime de perseguição consiste em reiteradamente perseguir ou assediar outra pessoa, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, apelando-se à objectividade do homem médio para aferir se a conduta em causa é adequada a produzir a lesão, invocando-se, ainda, a individualidade das circunstâncias concretas que norteiam o ilícito, mormente as personalidades de agressor e vítima e o relacionamento entre ambos.
X – O injustificado e progressivo esvaziamento de funções laborais pelo superior hierárquico, de forma reiterada e prolongada no tempo, sabendo que intimidava, diminuía, humilhava, segregava profissionalmente, molestava a dignidade pessoal e a saúde psíquica do trabalhador, causando-lhe assim medo e inquietação, integra o crime de perseguição, previsto no artigo n.º 154º-A do Código Penal.