Autoria. Coautoria. Acordo. Participação directa nos factos. Domínio funcional do facto. Crime de tráfico de pessoas. Modalidades de acção do crime de tráfico de pessoas. Execução conjunta

AUTORIA. COAUTORIA. ACORDO. PARTICIPAÇÃO DIRECTA NOS FACTOS. DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO. CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS. MODALIDADES DE ACÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS. EXECUÇÃO CONJUNTA
RECURSO CRIMINAL Nº 16/19.3GHCTB-C.C1
Relator: ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO
Data do Acórdão: 08-10-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 3
Legislação: ARTIGOS 22.º, N.º 2, ALÍNEA B), 26.º E 160.º DO CÓDIGO PENAL.
Sumário:
I – A noção de autoria, constante do artigo 26.º do Código Penal, abrange as modalidades de imediata e mediata e os casos de comparticipação, com pluralidade de agentes (coautoria), na qual são essenciais a decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e a execução igualmente conjunta (participação directa, mediata ou imediata, na execução do facto).
II – A coautoria fundamenta-se também no domínio do facto, mas num domínio funcional, em que cada coautor assume uma função parcial de carácter essencial que o faz aparecer como coportador da responsabilidade da execução em conjunto do facto, devendo a contribuição de cada coautor revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo a que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto.
III – O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do coautor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
IV – A coautoria requer, no aspeto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito e prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta como cotitular da responsabilidade pela execução de todo o processo e no plano objectivo a contribuição de cada coautor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constituia uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).
V – O crime de tráfico de pessoas pode consumar-se através de uma multiplicidade de acções elencadas no tipo legal, com diferentes contributos causais de um determinado resultado final, levados a cabo por diferentes agentes que actuam em conjugação de esforços e vontades, não obstando tais diferenças à responsabilização dos diferentes comparticipantes como coautores sempre e desde que esses contributos distintos desenvolvidos pelos vários comparticipantes se revelarem essenciais, ou causais do ponto de vista da causalidade adequada.
VI – As diversas modalidades de acção que o tipo legal compreende pressupõem, por vezes, actos preparatórios e instrumentais ou acessórios, como é o caso dos contactos prévios com as vítimas e com os destinatários finais, da agilização de condições de transporte e de alojamento, da vigilância e do controle, a maior parte das vezes com recurso a violência física ou psicológica, indispensáveis à execução daqueles atos principais e à consecução do objetivo final.
VII – No âmbito do crime de tráfico de pessoas, a coautoria não pressupõe que todos os contributos dos vários comparticipantes sejam de igual natureza, bastando que esses diferentes contributos sejam essenciais em termos de causalidade adequada para a consumação do ilícito.
