Vícios da decisão. Crime de furto qualificado. Valor elevado. Transacção quanto ao pedido de indemnização civil. Instrumentos. Produtos ou vantagens do crime. Restituição da coisa ou do animal furtados. Reparação integral dos prejuízos causados. Extinção da responsabilidade criminal
VÍCIOS DA DECISÃO. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. VALOR ELEVADO. TRANSACÇÃO QUANTO AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL. INSTRUMENTOS. PRODUTOS OU VANTAGENS DO CRIME. RESTITUIÇÃO DA COISA OU DO ANIMAL FURTADOS. REPARAÇÃO INTEGRAL DOS PREJUÍZOS CAUSADOS. EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL
RECURSO CRIMINAL Nº 287/20.2PBCVL.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acórdão: 12-05-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ
Legislação: ARTIGOS 109.º, N.ºS 1, 2 E 3, 110.º, N.º 1, ALÍNEA B), N.º 4 E N.º 6, 202.º, ALÍNEA A), 203.º, N.º 1, 204.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 206.º, N.ºS 1 E 2 DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – A transacção feita entre as partes civis relativamente ao objecto do pedido de indemnização civil é insusceptível de alterar a qualificação jurídica da conduta criminosa.
II – A restituição da coisa ou animal furtados ou ilegitimamente apropriados e a reparação integral do prejuízo causado nunca determina a imputação de um crime diverso, nem a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, mas sim a extinção da responsabilidade criminal do autor de crimes de furto, verificados determinados pressupostos.
III – Para efeitos de extinção da responsabilidade criminal, existe restituição da coisa quando o autor do furto procede voluntariamente à sua entrega ao legítimo possuidor, no estado em que se encontrava no momento da prática do crime, o que significa que quando a coisa furtada é apreendida pelo OPC e, depois, restituída ao ofendido não existe restituição para os efeitos previstos no artigo 206.º, n.º 1, do Código Penal.
IV – Para efeitos do disposto no artigo 206.º do Código Penal, a reparação que a lei prevê é a do prejuízo em sentido estrito, não a reparação do dano em sentido amplo englobando, para além daquele, a restituição da coisa.
V – Instrumentos do crime são as coisas ou objectos usados ou destinados a serem usados pelo agente na prática do crime; produtos do crime são as coisas ou objectos gerados ou produzidos pela prática do crime; vantagens do crime são todos os benefícios patrimoniais resultantes da prática do crime, todo o enriquecimento patrimonial do agente fruto do crime, designadamente os objectos subtraídos no âmbito de um crime de furto.
VI – A perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime não é uma pena acessória, porque não depende da culpa do agente, nem é uma medida de segurança, pois não radica na perigosidade deste, é sim uma providência sancionatória de natureza análoga à medida de segurança.
VII – A perda de instrumentos, produtos ou vantagens, regulada nos artigos 109.º e seguintes do Código Penal, funda-se exclusivamente em necessidades de prevenção, mas colocadas em distintas perspectivas: os instrumentos e produtos, visando acautelar a perigosidade imediata dos objectos usados na prática do crime e dos que, por esta prática, foram produzidos; as vantagens, visando afirmar o velho adágio de que o crime não compensa, mediante a supressão, no património do agente do crime, dos benefícios que logrou obter com a sua prática.
VIII – Considerando o disposto no artigo 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6, do Código Penal, se as vantagens do crime foram apropriadas em espécie, v.g. apreendidas pelo OPC, há lugar à declaração do seu perdimento a favor do Estado.
IX – A restituição ao ofendido dos bens que lhe haviam sido furtados impede a declaração de perdimento a favor do Estado enquanto vantagem do crime, seja porque, como dispõe o n.º 6 do artigo 110.º do Código Penal, essa declaração não pode prejudicar os direitos do ofendido, seja porque a razão de política criminal que preside à declaração de perda das vantagens do crime já se encontra assegurada, pois a vantagem alcançada desaparece com a restituição dos bens furtados.
X – No caso da restituição dos bens ao ofendido e quando não for possível apropriar em espécie as vantagens do crime, a declaração do seu perdimento é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.
XI – A quantia obtida pelos arguidos com a venda de bens furtados constitui vantagem indirecta obtida com a prática do crime, sujeita a declaração de perda a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, mas não sendo ela apropriável em espécie, dada a sua natureza fungível, a perda é substituída pelo pagamento do respectivo valor ao Estado, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.