Crime de falsidade de testemunho. Perícia. Interpretação ou tradução. Requerimento de abertura de instrução por parte do assistente. Direito de defesa do arguido
CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO. PERÍCIA. INTERPRETAÇÃO OU TRADUÇÃO. REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO POR PARTE DO ASSISTENTE. DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO
RECURSO CRIMINAL Nº 61/21.9T9CLD.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acórdão: 12-05-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 3
Legislação: ARTIGO 32.º, N.º 1 E 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGO 283.º, N.º 3, ALÍNEAS B) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 360.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – A realização da justiça, enquanto função do Estado, é o bem jurídico tutelado pelo crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução.
II – São elementos constitutivos do crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução,
quanto ao tipo objectivo:
– que o agente, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, i) na qualidade de testemunha preste depoimento falso, ii) na qualidade de perito, apresente relatório falso, iii) na qualidade de técnico, dê informações falsas, ou, iv) na qualidade de tradutor ou intérprete, faça traduções falsas;
– que o agente, sem justa causa, recuse depoimento ou recuse apresentar relatório, informação ou tradução;
quanto ao tipo subjectivo:
– o dolo – o conhecimento e vontade de praticar o facto -, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal.
III – Este é um crime específico, porque o agente tem que ter uma determinada qualidade processual; de perigo abstracto, pelo que não é necessário que a declaração falsa afecte a descoberta da verdade, ou seja, o fundamento do ilícito é logo a própria declaração falsa; e de mera actividade, pois o tipo preenche-se com a mera execução da conduta.
IV – No que respeita ao tipo objectivo, o elemento comum às diferentes modalidades da acção é a falsidade da declaração, entendendo-se por declaração toda a comunicação feita por uma pessoa com base no seu conhecimento, quer sobre factos exteriores, quer sobre factos interiores ou subjectivos, que pode revestir a forma oral, a forma escrita e, mesmo, linguagem gestual.
V – Existe falsidade da declaração, na concepção objectiva de falsidade que se sufraga, quando existe desconformidade entre o declarado e a realidade ou verdade histórica.
VI – O dolo, que se traduz no conhecimento e vontade de praticar o facto objectivo, com consciência da sua censurabilidade, integra o elemento cognitivo ou intelectual, que deve abranger a totalidade dos elementos que constituem o tipo objectivo, da factualidade típica, e um elemento volitivo, integrando a decisão de realizar a conduta típica e o respectivo resultado, nos casos em que este é pressuposto da realização do tipo respectivo, como sucede nos crimes de resultado, nisto se traduzindo o dolo do tipo.
VII – O dolo da culpa, pressupondo a verificação do dolo do tipo, resulta da comprovação de uma atitude interna do agente de indiferença perante o bem jurídico violado, não obstante a sua representação, deste modo sobrepondo a satisfação do seu interesse ao desvalor do ilícito, daqui resultando que o agente, para além de agir com dolo do tipo, actua também com consciência da ilicitude da conduta e, portanto, com consciência da sua censurabilidade.
VIII – A viabilidade processual do requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente depende de o mesmo conter a narração dos factos preenchedores do tipo objectivo do crime imputado, bem como a narração dos factos preenchedores do tipo subjectivo, portanto do dolo do mesmo crime.
IX – Dado que o RAI deve consubstanciar uma acusação alternativa à omitida pelo Ministério Público, deste modo definindo o objecto do processo e a vinculação temática da instrução, sem prejuízo do disposto no art. 303º do C. Processo Penal, e no final desta, em caso se despacho de pronúncia, o objecto do processo para a fase do julgamento, o pleno exercício do direito de defesa do arguido e o efectivo exercício do contraditório, constitucionalmente garantidos pelo art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, só se mostrarão verdadeiramente realizados quando a narração factual definidora do objecto do processo se mostre feita com referência ao tipo de ilícito imputado, de forma precisa, clara, rigorosa e completa.