Crime de homicídio qualificado na forma tentada. Crime de violência doméstica. Crime de ofensa à integridade física. Erros de julgamento. Qualificação jurídica dos factos. Escolha e medida das penas parcelares e de cúmulo jurídico. Valor da reparação civil

CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA. ERROS DE JULGAMENTO. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS. ESCOLHA E MEDIDA DAS PENAS PARCELARES E DE CÚMULO JURÍDICO. VALOR DA REPARAÇÃO CIVIL
RECURSO CRIMINAL Nº 499/24.0PCCBR.C1
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 25-06-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2
Legislação: ARTIGOS 72.º, 77.º, 132º, Nº 2, 143º, Nº 1, 152.º, N.º 1, ALÍNEA A) E N.ºS 2, ALÍNEA A), 4 E 5 DO CÓDIGO PENAL; ARTºS 82.º-A, 124º, 125º, 126º, 127º, 410º Nº 2 A), 412º E 426º, TODOS DO CPP; ARTIGO 21º, DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO;ARTS 483.º N.º 1 , 496º , 566.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:
1 – O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem respectivamente quando:
a)- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
b)- os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz – artº 410º nº 2 a) CPP;
c)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (cfr. Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740) ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.
2 – O crime de Violência Doméstica pode, desde logo, entrar em concurso aparente com diversos crimes base, atenta a multiplicidade de bens jurídicos susceptíveis de ser afectados como instrumento da afetação do bem jurídico tutelado (a saúde no contexto relacional pressuposto).
3 – Em situações em que se encontre afastada a cláusula de subsidiariedade expressa (porque a punição do crime convocado se revela inferior ao da violência doméstica ou em que entre o crime de violência doméstica e o crime convocado intercede uma relação de especialidade), prevalece a punição pelo crime de violência doméstica.
4 – Uma eventual agressividade da ofendida para com o marido não retira a ilicitude deste último que, no quadro dado como provado, era e sempre foi o principal agressor.
5 – O facto de a ofendida não fazer denotar publicamente que estaria a passar por ambiente marcado por violência doméstica não significa que o não estivesse de facto a viver, pois nesta problemática da violência doméstica, conforme resulta da nossa experiência forense e judiciária, as ocorrências são vividas quase sempre em silêncio e sem alarido público, na aparente «paz dos casarios».
6 – A estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo. O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber:
• dolo directo – a intenção de realizar o facto;
• dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta e
• dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.
7 – Há intenção de matar e dolo directo pois resulta da factualidade provada – não que o arguido tenha representado como possível que da sua actuação pudesse resultar a morte da vítima, o que poderia vir a configurar uma situação de dolo eventual – que o arguido quis causar a morte da sua mulher, o que não conseguiu alcançar por razões alheias à sua vontade.
8 – O elemento volitivo do dolo configura, portanto, uma situação de dolo directo, não havendo qualquer desistência válida mas apenas uma não consumação por factos estranhos ao agente.
9 – A norma do artigo 132º do CP consagra a combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a chamada técnica dos “exemplos-padrão”, contidos no n.º 2 do seu corpo.
10 – A qualificação do crime de homicídio não resulta de forma automática ou inexorável da verificação de uma ou várias das circunstâncias enumeradas no art. 132º/ 2 CP, sendo necessário que as mesmas revelem especial censurabilidade ou perversidade.
11 – A conduta do arguido é passível de conduzir ao preenchimento de três circunstâncias qualificativas do homicídio, cabendo eleger uma delas para efeitos de qualificação típica por forma a que as demais possam ser mobilizadas como factor de medida da pena, notando-se que, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, não poderá o Tribunal sopesar, na graduação da pena, as circunstâncias que façam parte do tipo de crime
(Sumário elaborado pelo Relator)
