Sistema de prova livre. Análise crítica da prova no caso de vasto acervo factual e complexo universo probatório referente a diversos arguidos. Prova indiciária. Gravidade. Precisão e concordância dos indícios. Máxima da experiência. Princípio da normalidade. O princípio da causalidade. Inferências lógicas. Leis científicas. Regime penal aplicável aos jovens delinquentes
SISTEMA DE PROVA LIVRE. ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA NO CASO DE VASTO ACERVO FACTUAL E COMPLEXO UNIVERSO PROBATÓRIO REFERENTE A DIVERSOS ARGUIDOS. PROVA INDICIÁRIA. GRAVIDADE. PRECISÃO E CONCORDÂNCIA DOS INDÍCIOS. MÁXIMA DA EXPERIÊNCIA. PRINCÍPIO DA NORMALIDADE. O PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. INFERÊNCIAS LÓGICAS. LEIS CIENTÍFICAS. REGIME PENAL APLICÁVEL AOS JOVENS DELINQUENTES
RECURSO CRIMINAL Nº 399/23.0T9VIS.C1
Relator: ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO
Data do Acórdão: 24-09-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 3
Legislação: ARTIGO 125.º E 127.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 349.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 4.º DO D.L. N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO.
Sumário:
I – No sistema da prova livre o juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão, justificação que é sempre racional e argumentada, não podendo a valoração da prova abstrair-se dessa intenção de racionalidade e de justiça.
II – Quando está em causa um vasto acervo factual, referente a diversos arguidos, e um complexo universo probatório, constituído por elementos de prova de variada etiologia, por vezes de sentido probatório diversificado e, até, contrário ou antagónico entre si, a explicitação da análise crítica correlacionada de todos esses meios de prova quanto a todos os protagonistas dos factos redunda numa tarefa de execução muito difícil, por não ser viável a identificação e dissecação de todas as variáveis que concorrem para a formação da convicção do tribunal.
III – A validade da prova indiciária depende de os indícios estarem comprovados, por prova directa, de revestirem um elevado grau de gravidade, de serem precisos, plurais, independentes e variados, de forma a que, quando correlacionados, serem concordantes entre si e conduzirem a inferências convergentes ou, excepcionalmente, tratando-se de um único indício, ser dotado de um poder revelador singular, não podendo ocorrer contra indícios que os neutralizem ou fragilizem.
IV – A gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento, sendo grave o indício que resiste às objecções que se lhe opõem e que tem uma elevada carga de persuasão, como sucede quando a máxima da experiência que é formulada expressa uma regra que tem um amplo grau de probabilidade.
V – O indício é preciso quando não é susceptível de outras interpretações.
VI – Os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão, porque a concorrência de vários indícios num mesmo sentido, partindo de pontos ou premissas diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles.
VII – Verificados os respectivos requisitos, o funcionamento da prova indiciária desenvolve-se em três momentos distintos: primeiro, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto, que será o facto sob apreciação.
VIII – A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, é uma inferência que permite a afirmação de que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos.
IX – A máxima da experiência é uma regra que traduz aquilo que sucede na maior parte dos casos, isto é, uma regra extraída de casos semelhantes, mas sendo uma regra, que não pertence ao mundo dos factos, origina um juízo de probabilidade e não de certeza.
X – O princípio da normalidade torna-se o fundamento de toda a presunção abstracta, derivando da circunstância de, na dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas, existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos.
XI – O princípio da normalidade está intimamente ligado com a causalidade – as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos -, e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam, de maneira uniforme, o desenvolvimento do universo.
XII – Assim, o princípio da normalidade, fundamento de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.
XIII – As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos, que fazem parte da cultura média ou leis científicas aceites como válidas sem restrição.
XIV – Em matérias que impliquem especiais competências técnicas, científicas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa à certeza da afirmação científica.
XV – Adquirida a convicção pelo julgador sobre a verificação dos factos essenciais ao preenchimento do tipo legal com base o funcionamento da prova indiciária ou indirecta e das inferências lógicas que esta propiciou, a sindicância, em sede de recurso, do erro sobre a substância de tal juízo presuntivo só é possível em caso de manifesto contra senso ou desrazoabilidade.
XVI – Ao consagrar o regime penal aplicável aos jovens delinquentes o legislador acolheu o ensinamento de outros ramos do saber, que explicam que na adolescência e no início da idade adulta os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam, não sendo raro que nesse ciclo da vida os jovens enveredem por condutas ilícitas, o que é, em regra, um fenómeno efémero e transitório.
XVII – A aplicação deste regime penal não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que ele deve/tem de usar, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, quais sejam poder ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção do jovem, que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não empeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade.