Servidão voluntária de passagem. Desnecessidade. Constituição. Invalidade por vício de forma. Inalegabilidade formal. Boa-fé. Abuso do direito

SERVIDÃO VOLUNTÁRIA DE PASSAGEM. DESNECESSIDADE. CONSTITUIÇÃO. INVALIDADE POR VÍCIO DE FORMA. INALEGABILIDADE FORMAL. BOA-FÉ. ABUSO DO DIREITO

APELAÇÃO Nº 4173/18.8T8CBR.C1
Relator: CRISTINA NEVES
Data do Acórdão: 23-04-2024
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 220.º, 334.º, 762.º, N.º 2, 1547.º, N.º 2, 1569.º, N.º 3, DO CÓDIGO CIVIL E 80.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO NOTARIADO

 Sumário:

I – A lei distingue entre servidões legais (coactivas) e servidões voluntárias. Enquanto as primeiras atribuem ao seu beneficiário o direito potestativo à sua constituição – por contrato, sentença ou decisão administrativa (cfr. artº 1547, nº 2, do C.C.), as segundas resultam de uma decisão livre e concertada das partes contraentes.
II – Só nas servidões legais é exigido como causa que justifique a imposição de um ónus por via legal, o critério da necessidade, por só assim se possibilitar o acesso a um prédio encravado.
III – As servidões voluntárias, porque constituídas ao abrigo do princípio da autonomia privada, prescindem do requisito da necessidade e, por essa razão, conforme resulta do disposto no artº 1569, nº 3 do C.C., não se extinguem por desnecessidade.
IV – É nulo o contrato de constituição de uma servidão voluntária, que não seja celebrado pela forma exigida – escritura pública – conforme resulta das disposições do artº 80, nº 1, do C. do Notariado (na redacção do Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de Agosto) e 220 do C.C.
V – No entanto, a declaração e os efeitos desta nulidade devem ser paralisados – inalegabilidade formal – quando da sua declaração resultem gravemente violados os princípios da boa fé que devem nortear a conduta das partes na execução e cumprimento dos acordos que livremente estabeleceram (artsº 334 e 762, nº2, do C.C.) e constitua um clamoroso abuso de direito.
VI – Obstam ao conhecimento e declaração de nulidade do contrato de constituição de servidão de passagem a confiança criada pela subscrição deste acordo e pela não invocação da nulidade durante mais de 14 anos, a justificação e o investimento na confiança, demonstrados pelos actos de execução deste acordo (com a manutenção desta servidão) praticados também por aquele que pretende beneficiar da nulidade, constituindo a pretensão do ora recorrente um verdadeiro venire contra factum proprium.
(Sumário elaborado pela Relatora)

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