Imediação e oralidade. Princípio da livre apreciação da prova. Intercepções telefónicas. Crime de tráfico de estupefacientes cometido em estabelecimento prisional. Tentativa e consumação. Alteração da incriminação a arguido não recorrente. Comunicação da alteração da incriminação. Reincidência. Regime penal dos jovens delinquentes

IMEDIAÇÃO E ORALIDADE. PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS. CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES COMETIDO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. TENTATIVA E CONSUMAÇÃO. ALTERAÇÃO DA INCRIMINAÇÃO A ARGUIDO NÃO RECORRENTE. COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA INCRIMINAÇÃO. REINCIDÊNCIA. REGIME PENAL DOS JOVENS DELINQUENTES

RECURSO CRIMINAL Nº 193/21.3JALRA.C2
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 24-09-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 4
Legislação: ARTIGOS 127.º, 187.º A 189.º, 358.º, N.º 3, 402.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGOS 22.º, 50.º, 75.º, N.ºS 1 E 2, E 76.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL; ARTIGOS 21.º, 22.º, 24.º, ALÍNEA H), 25.º E 26.º DO DEC. LEI Nº 15/93, DE 22 DE JANEIRO; ARTIGO 4.º DO D.L. N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO.

 Sumário:

I – A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso só pode criticar demonstrado que seja que ela é inadmissível face às regras da experiência comum.
II – É prova directa o relato, feito pela testemunha, do que ouviu dizer ao arguido.
III – As intercepções telefónicas, feitas em tempo real, nos termos dos artigos 187.º a 189.º do C.P.P., determinadas depois de realizadas vigilâncias por parte do órgão de polícia criminal, são legais, inexistindo qualquer vício que as afecte e, consequentemente, que afecte a sua valoração.
IV – Os actos relevantes para efeito de tentativa não são definidas pelo tipo legal de crime, mas resultam do artigo 22.º do Código Penal.
V – Os tipos de tráfico previstos na lei assentam na gravidade relativa de cada conduta e não na factualidade típica que, basicamente, se mantém idêntica em todos eles.
VI – O crime do artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, traduz-se numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, que é a saúde pública, mas a consumação exige que se dê por provada, pelo menos, uma das ocorrências referidas na norma, não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
VII – O agravamento do crime de tráfico cometido em estabelecimento prisional visa conferir protecção reforçada das finalidades da reclusão, ligadas à saúde física e psíquica, e à reinserção social da população prisional, particularmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes.
VIII – As circunstâncias agravantes previstas no artigo 24.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não são de aplicação automática, exigindo a análise do caso concreto a fim de se saber se há uma ilicitude acentuada dos factos na sua globalidade justificativa de tal agravação.
IX – O tráfico de menor gravidade, do artigo 25.º, não significa que se esteja perante um caso de gravidade necessariamente diminuta, antes tem por objectivo permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes de elevada gravidade, encontre a medida justa da punição em casos que, porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º, que nem sempre seria viável e ajustada com recurso aos mecanismos gerais da atenuação especial da pena, dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.
X – A concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais.
XI – A Relação não tem que comunicar a alteração da qualificação jurídica dos factos, quer a arguidos recorrentes, quer a não recorrentes, quando se trate de um “minus” relativamente à condenação.
XII – É possível, em situação de co-autoria por crime de tráfico de estupefacientes, um arguido ser condenado nos termos do artigo 21.º e outro ser condenado pelo artigo 25.º.
XIII – Quando o tribunal de recurso conhece oficiosamente de vício do artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., deve conhecê-lo relativamente a co-arguido acusado em comparticipação que não tenha recorrido.
XIV – Para além dos pressupostos formais constantes do artigo 75.º do Código Penal, a verificação da reincidência exige o pressuposto material de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
XV – Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não adere totalmente à distinção entre drogas duras e leves, a verdade é que, no preâmbulo, refere uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas, daí extraindo efeitos no tocante às sanções.
XVI – A atenuação especial prevista no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro, não decorre automaticamente da idade, sim de um prognóstico favorável à reinserção social do jovem condenado, radicada, caso a caso e em face da personalidade do agente, na sua conduta anterior e posterior ao facto, na natureza e modo de execução do ilícito e na apreciação dos seus motivos determinantes.

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